Ambiência https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br O que está em jogo na nossa relação com o planeta Fri, 03 Dec 2021 21:06:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Dalai Lama e 100 vencedores do Nobel pedem fim do petróleo, carvão e gás https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2021/04/21/dalai-lama-e-100-vencedores-do-nobel-pedem-fim-do-petroleo-carvao-e-gas/ https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2021/04/21/dalai-lama-e-100-vencedores-do-nobel-pedem-fim-do-petroleo-carvao-e-gas/#respond Wed, 21 Apr 2021 13:01:30 +0000 https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/WhatsApp-Image-2019-09-20-at-17.14.13-1-320x215.jpeg https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/?p=928 Em carta aberta aos líderes globais que se reúnem na quinta (22) na Cúpula do Clima, organizada de forma online pelos Estados Unidos, 101 ganhadores de prêmios Nobel pedem que os compromissos anunciados pelos países incluam ações para o fim da expansão dos combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás, que são a principal fonte de gases causadores do aquecimento global.

Entre os signatários da carta estão Dalai Lama, ganhador do Nobel da Paz em 1989, Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e ganhador do Nobel da Paz em 2006, Rigoberta Menchú Tum, ativista pelos direitos humanos na Guatemala e ganhadora do Nobel da Paz em 1992, e Adolfo Pérez Esquivel, ativista argentino pelos direitos humanos e ganhador do Nobel da Paz em 1980.

“A indústria de combustíveis fósseis segue planejando novos projetos, que os bancos continuam a financiar. De acordo com o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, até 2030 serão produzidos 120% a mais de carvão, petróleo e gás do que é compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5°C”, diz a carta, que pede o fim da expansão dos combustíveis fósseis, a eliminação da produção existente e um plano de transição global para energias renováveis.

As assinaturas dos prêmios Nobel foram articuladas pela iniciativa Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis, com o apoio de 350.org e outras ONGs.

Leia abaixo a íntegra da carta.

Declaração dos ganhadores do Prêmio Nobel aos líderes mundiais participantes da Cúpula do Clima

Deixem os combustíveis fósseis debaixo da terra

Como ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, Literatura, Medicina, Física e Economia, e assim como tantas pessoas no mundo inteiro, nos sentimos tomados pela grande questão moral do nosso tempo: a crise climática e a consequente destruição da natureza.

As mudanças climáticas ameaçam centenas de milhões de vidas, assim como os meios de subsistência em todos os continentes, e põem em perigo milhares de espécies. A queima de combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás – é, de longe, a principal causa para a mudança climática.

Neste 21 de abril, véspera do Dia da Terra e da Cúpula do Clima, organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, nos dirigimos aos líderes mundiais para instá-los a agir imediatamente para frear a expansão do petróleo, gás e carvão e, assim, evitar uma catástrofe climática.

Acolhemos o reconhecimento do Presidente Biden e do governo dos EUA, em sua Ordem Executiva, de que “juntos, devemos ouvir a ciência e estar à altura do atual momento”. De fato, estar à altura deste momento significa exigir respostas à crise climática que definirão nossos legados – e os requisitos para estar do lado certo da História são claros.

Por muito tempo, os governos ficaram escandalosamente aquém do que a ciência exige e do que um movimento popular poderoso e crescente já sabe: precisamos urgentemente de ações para pôr fim à expansão da produção de combustíveis fósseis, eliminar gradualmente a produção já instalada e investir em energias renováveis.

A queima de combustíveis fósseis é responsável por quase 80% das emissões de dióxido de carbono desde a Revolução Industrial. Além de esses combustíveis serem as principais fontes de emissões, seu processo de extração, refino, transporte e queima provoca poluição e eleva os custos ambientais e de saúde, que são, muitas vezes, pagos pelos povos indígenas e pelas comunidades marginalizadas. Práticas industriais chocantes também levaram a violações dos direitos humanos e a um sistema atrelado aos combustíveis fósseis que deixou bilhões de pessoas em todo o mundo sem energia suficiente para viver dignamente.

Tanto pelas pessoas quanto pelo planeta, é necessário apoiar continuamente os esforços para enfrentar as mudanças climáticas, por meio da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e do Acordo de Paris. O descumprimento do limite de aumento de temperatura definido no Acordo de Paris, de 1,5°C, traz o risco de que o mundo seja empurrado rumo a um aquecimento global catastrófico.

Entretanto, o Acordo de Paris não menciona petróleo, gás ou carvão. Enquanto isso, a indústria de combustíveis fósseis segue planejando novos projetos, que os bancos continuam a financiar. De acordo com o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, até 2030 serão produzidos 120% a mais de carvão, petróleo e gás do que é compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5°C. Os esforços para respeitar o Acordo de Paris e reduzir a demanda por combustíveis fósseis serão prejudicados se a oferta continuar a crescer.

A solução é clara: os combustíveis fósseis têm que ficar debaixo da terra.

Os líderes globais, e não a indústria de combustíveis fósseis, detêm o poder e a responsabilidade moral de tomar ações ousadas para enfrentar esta crise. Apelamos a essas lideranças para que trabalhem juntas, em espírito de cooperação, com o objetivo de:

● Acabar com a expansão da produção de petróleo, gás e carvão, em linha com os melhores dados científicos disponíveis, conforme definido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA);

● Eliminar a produção existente de petróleo, gás e carvão de uma maneira justa e equitativa, considerando as responsabilidades dos países pelas mudanças climáticas, sua respectiva dependência de combustíveis fósseis e sua capacidade de transição;

● Investir em um plano de transição que garanta 100% de acesso à energia renovável globalmente, apoie as economias dependentes para que diversifiquem sua produção e se afastem dos combustíveis fósseis e possibilite às pessoas e comunidades de todo o mundo prosperarem por meio de uma transição global justa.

Os combustíveis fósseis são a principal causa das mudanças climáticas. Permitir a expansão contínua desse setor é inaceitável. O sistema de combustíveis fósseis é global e requer uma solução global – uma solução em que a Cúpula dos Líderes do Clima deve trabalhar. E o primeiro passo consiste em manter os combustíveis fósseis debaixo da terra.

His Holiness the 14th Dalai Lama, Nobel Peace Prize, 1989
Jody Williams, International Campaign to Ban Landmines, Nobel Peace Prize, 1997
Juan Manuel Santos, Former President of Colombia, Nobel Peace Prize, 2016
Tawakkol Karman, Women Journalists Without Chains, Nobel Peace Prize, 2011
Mairead Corrigan-Maguire, Northern Ireland Peace Movement, Nobel Peace Prize, 1976
Adolfo Pérez Esquivel, Argentinian Human rights leader, Nobel Peace Prize, 1980
Rigoberta Menchú Tum, K’iche’ Guatemalan human rights activist, Nobel Peace Prize, 1992
José Manuel Ramos-Horta, Former President of East Timor, Nobel Peace Prize, 1996
Carlos Filipe Ximenes Belo, East Timorese Roman Catholic Bishop, Nobel Peace Prize, 1996
Shirin Ebadi, Iran first female judge, Nobel Peace Prize, 2003
Leymah Roberta Gbowee, Women of Liberia Mass Action for Peace, Nobel Peace Prize, 2011
Kailash Satyarthi, Bachpan Bachao Andolan, Nobel Peace Prize, 2014
Denis Mukwege, Founder, Panzi Hospital, Bukavu, Nobel Peace Prize, 2018
Muhammad Yunus, Founder of Grameen Bank, Nobel Peace Prize, 2006
Paul Berg, Nobel Prize in Chemistry, 1980
Thomas R. Cech, Nobel Prize in Chemistry, 1989
Martin Chalfie, Nobel Prize in Chemistry, 2008

Aaron Ciechanover, Nobel Prize in Chemistry, 2004
Richard R. Ernst, Nobel Prize in Chemistry, 1991
Joachim Frank, Nobel Prize in Chemistry, 2017
Walter Gilbert, Nobel Prize in Chemistry, 1980
Richard Henderson, Nobel Prize in Chemistry, 2017
Dudley R. Herschbach, Nobel Prize in Chemistry, 1986
Avram Hershko, Nobel Prize in Chemistry, 2004
Roald Hoffmann, Nobel Prize in Chemistry, 1981
Brian K. Kobilka, Nobel Prize in Chemistry, 2012
Roger D. Kornberg, Nobel Prize in Chemistry, 2006
Yuan T. Lee, Nobel Prize in Chemistry, 1986
Robert J. Lefkowitz, Nobel Prize in Chemistry, 2012
Michael Levitt, Nobel Prize in Chemistry, 2013
Rudolph A. Marcus, Nobel Prize in Chemistry, 1992
Hartmut Michel, Nobel Prize in Chemistry, 1988
George P. Smith, Nobel Prize in Chemistry, 2018
Sir James Fraser Stoddart, Nobel Prize in Chemistry, 2016
Frances H. Arnold, Nobel Prize in Chemistry, 2018
Johann Deisenhofer, Nobel Prize in Chemistry, 1988
Roderick MacKinnon, Nobel Prize in Chemistry, 2003
William E. Moerner, Nobel Prize in Chemistry, 2014
Richard R. Schrock, Nobel Prize in Chemistry, 2005
Sir John E. Walker, Nobel Prize in Chemistry, 1997
Kurt Wüthrich, Nobel Prize in Chemistry, 2002
Oliver Hart, Nobel Prize in Economic Sciences, 2016
Eric S. Maskin, Nobel Prize in Economic Sciences, 2007
Edmund S. Phelps, Nobel Prize in Economic Sciences, 2006
Robert F. Engle III, Nobel Prize in Economic Sciences, 2003
Paul R. Milgrom, Nobel Prize in Economic Sciences, 2020
Christopher A. Pissarides, Nobel Prize in Economic Sciences, 2010
Wole Soyinka, Nobel Prize in Literature, 1986
Elfriede Jelinek, Nobel Prize in Literature, 2005
Harvey J. Alter, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2020
Elizabeth H. Blackburn, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2009
Mario R. Capecchi, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2007
Peter C. Doherty, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 1996
Andrew Z. Fire, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2006
Carol W. Greider, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2009
Jeffrey Connor Hall, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2017
Leland H. Hartwell, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2001
Tim Hunt, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2001
Louis J. Ignarro, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 1998
Sir Richard J. Roberts, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 1993

Gregg L. Semenza, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2019
Thomas C. Sudhof, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2013
Jack W. Szostak, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2009
J. Robin Warren, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2005
Torsten N. Wiesel, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 1981
William C. Campbell, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2015
Harald zur Hausen, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2008
H. Robert Horvitz, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2002
William G. Kaelin Jr., Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2019
Eric R. Kandel, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2000
Edvard Moser, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2014
May-Britt Moser, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2014
John O’Keefe, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2014
Yoshinori Ohsumi, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2016
Charles M. Rice, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2020
Hamilton O. Smith, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 1978
Susumu Tonegawa, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 1987
Harold E. Varmus, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 1989
Michael W. Young, Nobel Prize in Physiology or Medicine, 2017
Serge Haroche, Nobel Prize in Physics, 2012
J. Michael Kosterlitz, Nobel Prize in Physics, 2016
Anthony J. Leggett, Nobel Prize in Physics, 2013
Shuji Nakamura, Nobel Prize in Physics, 2014
H. David Politzer, Nobel Prize in Physics, 2004
Rainer Weiss, Nobel Prize in Physics, 2017
Robert Woodrow Wilson, Nobel Prize in Physics, 1978
David J. Wineland, Nobel Prize in Physics, 2012
Hiroshi Amano, Nobel Prize in Physics, 2014
Barry Clark Barish, Nobel Prize in Physics, 2017
Jerome I. Friedman, Nobel Prize in Physics, 1990
Sheldon Glashow, Nobel Prize in Physics, 1979
Brian D. Josephson, Nobel Prize in Physics, 1973
Takaaki Kajita, Nobel Prize in Physics, 2015
Wolfgang Ketterle, Nobel Prize in Physics, 2001
John C. Mather, Nobel Prize in Physics, 2006
Michel Mayor, Nobel Prize in Physics, 2019
Arthur B. McDonald, Nobel Prize in Physics, 2015
Arno Penzias, Nobel Prize in Physics, 1978
Horst L. Stormer, Nobel Prize in Physics, 1998
Joseph H. Taylor Jr., Nobel Prize in Physics, 1993
Carl E. Wieman, Nobel Prize in Physics, 2001

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Brasil trava preparo do acordo de biodiversidade da ONU https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/20/brasil-trava-preparo-do-acordo-de-biodiversidade-da-onu/ https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/20/brasil-trava-preparo-do-acordo-de-biodiversidade-da-onu/#respond Fri, 20 Nov 2020 09:43:51 +0000 https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/athayde-320x215.jpg https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/?p=866 O Brasil, de forma isolada, coloca sob suspense a continuidade das negociações que preparam o novo acordo de biodiversidade da ONU.

A diplomacia brasileira impede a aprovação de um documento que autoriza o orçamento de 2021 para o secretariado da Convenção de Diversidade Biológica da ONU, o que inclui despesas como documentação e tradução, por exemplo.

Sem a autorização do orçamento, o trabalho fica paralisado a partir de janeiro, o que na prática impede o preparo da conferência prevista para acontecer no final de 2021.

Embora os fundos já estejam garantidos, é preciso que todos os 196 países que fazem parte da Convenção aprovem a autorização orçamentário. O Brasil é o único que se opõe.

O país exigiu que suas discordâncias fossem registradas como notas de rodapé no documento que autoriza o orçamento, o que vai contra a exigência de consenso.

A situação levou a uma resposta incomum na diplomacia. Em um comunicado oficial, a presidente da Convenção de Diversidade Biológica da ONU e ministra do Meio Ambiente do Egito, Yasmine Fouad, citou o Brasil como responsável pelo bloqueio.

“Eu esperava anunciar que a decisão sobre o orçamento provisório para o ano de 2021 foi adotada. No entanto, devido a um comentário que foi enviado pelo governo do Brasil visando a inserção de notas de rodapé nos projetos de decisão, não foi possível seguir em frente. O comentário constituiu uma objeção à adoção dessas decisões pelos respectivos órgãos”, diz o comunicado.

“Gostaria de lembrar às partes que a falha em adotar um orçamento antes do final de 2020 resultaria em uma interrupção completa das operações do Secretariado a partir de 1 de janeiro de 2021 devido à falta de autorização exigida pelas regras financeiras. As implicações financeiras e legais de qualquer violação de contratos pode implicar em responsabilidade financeira adicional para as Partes”, continua o documento.

Segundo fontes que acompanham as negociações, a alegação brasileira é de que as negociações não deveriam prosseguir através de encontros online, pois nem todos os países teriam iguais condições técnicas de participar. As reuniões acontecem pela internet por conta da pandemia do coronavírus.

No final do comunicado, Fouad agradece às contribuições “para fazer com que essas reuniões extraordinárias, que estão sendo realizadas em tempos e formato tão extraordinários, sejam um sucesso”.

Para observadores das negociações, o Brasil busca frear o preparo do novo acordo. No início de março, antes do adiamento da conferência para 2021, o Brasil se recusou a discutir questões técnicas do acordo, em estratégia de distração, como revelou o blog na época.
O novo acordo de biodiversidade deve substituir o atual, que foi assinado em 2011 e se encerra neste ano. Cientistas e diplomatas trabalham com a expectativa de aprovar como meta global a conservação de 30% do planeta, através da criação e manutenção de áreas protegidas.

Procurado pelo blog, o Itamaraty não se pronunciou até o momento desta publicação.

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A pandemia parou uma ameaça ao planeta: nossa correria https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2020/03/22/a-pandemia-parou-uma-ameaca-ao-planeta-nossa-correria/ https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2020/03/22/a-pandemia-parou-uma-ameaca-ao-planeta-nossa-correria/#respond Sun, 22 Mar 2020 21:44:20 +0000 https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/Pocoyo.jpg https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/?p=631 ANÁLISE  – Correndo para onde? É como se o coronavírus nos perguntasse enquanto nos freava.

O ritmo acelerado no mundo todo esteve distante de se dedicar ao acesso a demandas essenciais, relembradas agora pela pandemia. Por outro lado, ele vinha, a todo vapor, ameaçando a capacidade de regeneração da natureza.

Os ciclos naturais têm seu próprio ritmo. Por isso, há milênios a humanidade criou o conceito de tempo justamente para mediar nossa relação com o mundo natural, o que permitiu a compreensão das estações do ano, das épocas de secas e cheias e, logo, o desenvolvimento primordial da agricultura, um dos berços das civilizações.

No entanto, o desenvolvimento científico e econômico foi deslocando nossa consciência para fora da ideia de pertencimento à natureza – esse contexto inexorável que nos cerca e condiciona nossa vida. Concedemos a nós mesmos uma licença para criar nosso próprio conceito de tempo. E inventamos que ‘tempo é dinheiro’.

Com uma tecnologia cada vez mais veloz e que faz ações valorizarem ou despencarem em microssegundos, a economia financeira passou a ditar o ritmo do mundo, impondo a todos uma pressa generalizada. É preciso fazer tudo logo, realizar mais em tempos recordes, produzir, consumir e descartar cada vez mais rápido – como se isso significasse tirar o melhor proveito da vida.

Nessa correria, o sentido da produtividade tem passado longe de atender às necessidades básicas da vida, que poderiam gerar empregos para demandas fundamentais – como universalizar o acesso ao saneamento básico, transitar para uma economia de baixo carbono, regenerar áreas degradadas, implementar a reciclagem e a logística reversa, ampliar o acesso à saúde, à educação e à segurança pública ou construir moradias dignas.

No modelo de desenvolvimento pré-pandemia, a aceleração da roda econômica pressionava a demanda por recursos naturais sem necessariamente melhorar a qualidade de vida de ninguém.

Enquanto hoje damos atenção a essas questões básicas porque a pandemia nos obriga a repensar prioridades, a preocupação dominante logo antes desta crise era manter a roda da economia girando. ‘Para onde’ não chegava a ser uma questão.

E foi de carona na roda da economia globalizada e girando velozmente que o coronavírus deu a volta ao mundo em tempo recorde. Entre dezembro e março, o vírus chegou a quase todos os continentes, com exceção da Antártica.

Sem dar tempo para a criação de vacina ou remédio, o vírus correu com o mundo a tempo de conseguir pará-lo.

Enquanto se tomam medidas emergenciais para contenção do vírus, ele também nos obriga a uma revisão de valores da sociedade global, para a qual a relevância dos papeis da ciência e do Estado se evidenciam desde já.

Mas há ainda uma revisão mais estrutural que precisa ser encarada para superarmos a crise do coronavírus com resiliência: pensar o desenvolvimento sustentável também como uma gestão do tempo.

As definições mais comuns de sustentabilidade a tratam como um desafio sobre o uso do espaço, focando nos conflitos por território, os cálculos sobre áreas que precisam ser preservadas ou até mesmo a ‘gestão de estoque de recursos naturais’, como economistas gostam de resumir.

Essa visão também costuma ensinar que os ‘recursos naturais são limitados’. Na verdade, eles se renovam, mas no seu próprio tempo. E no tempo acelerado com que produzimos, consumimos e descartamos, não há reciclagem ou economia circular que dê conta de repor os recursos naturais.

Continuamos pressionando a demanda por matéria-prima e avançando sobre áreas naturais que, mais do que estoques, funcionam como matrizes de recursos e também de serviços ambientais – provendo chuvas, regulação do clima, fertilidade do solo, filtração do ar e da água.

Adaptar o ritmo da economia ao tempo de regeneração dos recursos naturais é, portanto, uma chave para uma economia sustentável.

Um exemplo de fácil visualização é a bioeconomia praticada na extração de castanha-do-pará e açaí na Amazônia. Os alimentos são exportados para o mundo e, a despeito do sucesso de público, não estão submetidos à demanda do consumo, mas às épocas de colheita determinadas pela castanheira e pelo açaizeiro.

O modelo econômico que permitiu esta pandemia também está na raiz da crise climática e da perda de biodiversidade, que por sua vez agravam a exposição a epidemias, por conta da desregulação climática e da fragilização dos ecossistemas, de acordo com os prognósticos científicos para as próximas décadas.

A exploração econômica acelerada não permite o tempo – pelo menos sete anos – para que áreas degradadas se regenerem e voltem a acolher diversas espécies.

Já os motores de fontes fósseis da economia mundial emitem carbono a uma velocidade muito superior à que as árvores conseguem absorver gás carbônico no seu processo de fotossíntese.

Portanto, a aparente boa notícia de que as emissões de gases-estufa estão caindo durante a pandemia pode não significar nada se sairmos dessa crise repetindo o pensamento que nos trouxe até aqui.

O freio provocado pela pandemia é mais cuidadoso do que a aceleração na direção do abismo, previsto pelos climatologistas. Para superarmos a crise do coronavírus com resiliência, é preciso manobrar e repensar o sentido da produtividade, para aí reencontrarmos a direção e o passo.

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Com Greta Thunberg, jovens enviam ‘lições aos adultos’ na greve pelo clima em Nova York https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2019/09/20/com-greta-thunberg-jovens-enviam-licoes-aos-adultos-na-greve-pelo-clima-em-nova-york/ https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2019/09/20/com-greta-thunberg-jovens-enviam-licoes-aos-adultos-na-greve-pelo-clima-em-nova-york/#respond Fri, 20 Sep 2019 21:00:31 +0000 https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/WhatsApp-Image-2019-09-20-at-17.14.13-320x215.jpeg https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/?p=395 NOVA YORK   A cidade de Nova York puxou uma das maiores greves pelo clima do mundo nesta sexta, com a participação da ativista sueca Greta Thunberg, que criou as greves estudantis pelo clima. Segundo organizadores, o protesto reuniu cerca de 250 mil pessoas.

Saindo da praça Foley Square, a marcha seguiu para um palco montado em um parque – o Battery Park – onde Greta discursou brevemente para uma multidão. Ela reforçou a mensagem de que os jovens estão deixando de ir à escola porque não faria sentido se preparar para um futuro que está ameaçado.

Greta também comentou que celebridades e políticos a procuram para ‘selfies’, para fotos e palavras bonitas. “Venho de um lugar muito diferente daqui, mas aqui e em todo lugar os discursos são os mesmos e a inação é a mesma. Nós não tomamos as ruas para que adultos digam que nos admiram. Estamos fazendo isso para que eles ajam.”

“Os olhos do mundo estarão nos líderes globais na segunda-feira, na cúpula do clima da ONU. Eles terão uma chance de provar que também apoiam a Ciência e que nos escutam. Nós faremos com que nos escutem”, afirmou.

Mostrando entusiasmo, um grupo de adolescentes conta ao blog que se sentem representados pelas palavras de Greta. “Ela nunca fala ‘eu’, sempre fala ‘nós'”, diz Sebastian Arce, de 13 anos.

“Ela é só dois anos mais velha que a gente e já fez mais do que a maioria dos adultos”, diz Reina Nakai, 13. “Eu nunca vi pessoas no poder agir como ela está fazendo e isso é muito legal”, diz Aims Smit, 13. “Ouvi-la realmente empodera todos nós, jovens ativistas”, diz Stella Ortega, 13.

As mensagens que a estudante sueca vem repetindo no último ano repercutiram nos cartazes levados à marcha. “Escapamos da classe para lhes dar uma lição” foi uma das frases que aparecia frequentemente nos cartazes, assim como “se vocês estivesse fazendo seu trabalho, nós estaríamos na escola”.

“Escapamos da classe para lhes dar uma lição”. Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)
Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)
“Você se importa se eu respirar?” Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

Cerca de 1,1 milhão de estudantes das escolas públicas de Nova York foram dispensados da aula para participar da marcha. Além da predominância de estudantes entre 12 a 17 anos, jovens de diversos países também integram o protesto, que acontece a apenas três dias da Cúpula do Clima da ONU, convocada pelo secretário-geral da ONU para a próxima segunda-feira (23) também em Nova York.

Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

Cartazes pela Amazônia foram levados por jovens dos Estados Unidos e também de países latinoamericanos, como Colômbia, Equador e Brasil.

Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

 

“A ‘Amazon’ errada está queimando”. Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

“Estou preocupada, porque parece que as pessoas estão ficando mais ignorantes”, diz Keyra S., 16. Nascida nos Estados Unidos e filha de equatorianos, ela explica que faz uma piada com o capitalismo em seu cartaz ao escrever que “estão queimando a Amazon errada”.

“Pare o desmatamento na Amazônia”. Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

O brasileiro Danilo Ignacio, 30, segura o cartaz contra o desmatamento na Amazônia. O engenheiro florestal está em Nova York para discutir com jovens soluções para a crise climática a partir de exemplos retirados da própria natureza. “Não é só um movimento simbólico. A juventude tem demonstrado ações concretas em diferentes partes do mundo”, ele diz.

“Não há lugar como nossa casa”. Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

“As crianças no Brasil também estão preocupadas, certo? Elas foram para a greve?” As perguntas são disparadas por uma menina de 13 anos ao saber que a entrevista é para uma mídia brasileira. A mãe dela, quem preferiu que seus nomes não fossem publicados, conta que a filha lhe questiona sobre a Amazônia. “Ela está tentando entender o que acontece com o Brasil”, diz a mãe.

“Se vocês fossem mais inteligentes, nós estaríamos na escola”, diz o cartaz à esquerda. “E se a gente salvasse o planeta? Haha, estou só brincando”, no cartaz à direita. Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)
Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

O grupo tem mais 14 adolescentes e é acompanhado por outras duas mães. Elas contam que foram ‘arrastadas’ pelas crianças. “Minha filha me obrigou a vir. Nunca fui ativista, esse é meu primeiro protesto”, diz Talya Moore, 42.

“[Planeta Terra] é o único com cachorros.” Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)
“Pensamos em fazer cartazes engraçados, porque achamos que precisa ter humor para as pessoas pensarem melhor”, diz uma adolescente. As piadas e o estilo que lembra memes das redes sociais destacam os cartazes dos jovens e marcam sua autoria.

Centenas de pais também aproveitam para levar filhos pequenos e até bebês ao protesto, também com mensagens comoventes.

“Ensino Médio em 2037. Que mundo será deixado? Aja agora”. Greve pelo clima em Nova York. (Foto: Ana Carolina Amaral/Folhapress)

*A jornalista viajou a convite da Anistia Internacional e do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

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Brasil entra no ‘cheque especial’ de recursos naturais nesta quarta https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2019/07/31/brasil-entra-no-cheque-especial-de-recursos-naturais-nesta-quarta/ https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2019/07/31/brasil-entra-no-cheque-especial-de-recursos-naturais-nesta-quarta/#respond Wed, 31 Jul 2019 07:23:58 +0000 https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/over-320x215.jpg https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/?p=335 A conta não fecha, cada vez mais cedo. O Brasil e o mundo já consumiram no final de julho a quantidade de recursos naturais que a Terra conseguiria repor ao longo de 2019.

Até o fim do ano, operamos no vermelho ao continuar explorando recursos em velocidade superior à da produção biológica no mesmo período. A diferença entre os ritmos de consumo humano e de regeneração natural marca o dia de sobrecarga da Terra.

No Brasil, o cheque especial começa nesta quarta (29) e não se deve a aumento do consumo, mas à redução na capacidade de regeneração natural.

O cálculo da pegada ecológica per capita, medida em hectares, teve pouca variação no Brasil desde 1980, ficando entre 3,1 e 2,8 hectares até 2016. No mesmo período, a biocapacidade per capita despencou de 14,5 para 8,7 hectares.

O cálculo, feito pela organização estadunidense Global Footprint Network, pode ser visto como um orçamento anual de recursos naturais.

Nele, a receita é calculada pela biocapacidade, ou seja, a quantidade de áreas naturais (chamadas de “áreas biologicamente produtivas” no estudo) disponíveis por habitante.

Já a despesa é calculada pela pegada ecológica, termo que alude ao rastro do impacto do consumo sobre o território. O cálculo mede em hectares a quantidade de terra demandada pelo consumo per capita.

O Brasil fica em 1º lugar no ranking dos países com maior biocapacidade total, mas em 17º em biocapacidade per capita, quando o tamanho da população entra na conta.

No ranking da pegada ecológica, feita com dados de 2016, o Brasil ocupa a 5ª posição, atrás apenas de China, Estados Unidos, Rússia e Índia. Já na pegada ecológica per capita, a posição brasileira cai para 89ª.

Aceleração

Na média mundial, o dia de sobrecarga neste ano chegou no último dia 29, apenas dois dias antes da média brasileira.

Em 1973, a sobrecarga chegava no início de dezembro. Chegou no início de outubro em 1997, avançou para setembro em 2007. É a primeira vez que a sobrecarga chega tão cedo, já em julho.

No fim de março, oito países já tinham entrado no cheque especial, incluindo os Estados Unidos, a Dinamarca e a Austrália. Em dezembro, os últimos países a esgotarem suas cota de recursos naturais disponíveis para 2019 serão Nicarágua, Equador, Iraque e Indonésia.

Quantos planetas seriam necessários?

Se todo o mundo adotasse o padrão de consumo brasileiro, precisaríamos de 1,7 planetas Terra para dar conta de suprir a demanda, segundo ranking feito pela mesma pesquisa.

O Brasil fica próximo da média mundial de consumo, que exigiria 1,75 planetas. O padrão de consumo alemão exigiria a existência de 3 planetas e o chinês, 2.2.

Entre os países que estão com o saldo positivo, ou seja, mantêm uma biocapacidade superior ao consumo da população, aparecem países de pequena população ou com significativas reservas naturais, mas também nações com grande desigualdade social, como a Índia, cujo padrão de consumo exigiria apenas 0,7 planeta.

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