Ambiência https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br O que está em jogo na nossa relação com o planeta Fri, 03 Dec 2021 21:06:25 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O bêbado e o comunista https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/21/o-bebado-e-o-comunista/ https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/21/o-bebado-e-o-comunista/#respond Mon, 21 Jun 2021 04:44:34 +0000 https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/WhatsApp-Image-2021-06-21-at-01.38.17-320x215.jpeg https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/?p=964 Para o filósofo francês Bruno Latour, “o escapismo é a principal ameaça no mundo. E, comparada a essa ameaça, todas as outras lutas convergem”.

Já a autora deste blog havia proposto que “é tempo de defender o óbvio, justamente porque não podemos mais contar com ele”. No entanto, para o empreendedor social Caetano Scannavino, uma ampla união em defesa de obviedades não bastará para responder ao negacionismo – da pauta climática à pandemia – promovido pelo governo. “Não será tentando contê-lo que vamos espantá-lo. É preciso ser mais louco que ele”.

“Como antítese a Bolsonaro, tem-se a oportunidade para acelerar a construção do verdadeiramente inovador e revolucionário”, defende Scannavino, em artigo publicado abaixo com exclusividade pelo blog.

A proposta sugere inovações ligadas a um desenvolvimento mais sustentável como saída imediata para as múltiplas crises do país, trazendo para o presente a chance de repensar paradigmas que já não dão conta de organizar a civilização.

Confira abaixo a íntegra do artigo.

O bêbado e o comunista

Por Caetano Scannavino*

– A Terra é plana! – chega o bebum.
– Que Terra plana que nada! A Terra é uma pirâmide! – retruca o comunista.
– Pirâmide? Você tá de porre! Qualquer um sabe que a Terra é redonda… – diz o bebum, já se afastando.

Não adianta subestimar, resistir ou argumentar com o bêbado chato na festa. A única forma de se livrar dele é se fazer ainda mais bebum. De dose dupla.

Em meio à terra arrasada ao longo do seu mandato, os que subestimam uma eventual reeleição de Bolsonaro só fazem bem a ele. Tampouco pode-se dizer que apenas uma frente ampla das oposições – os tais comunistas – bastaria para evitar uma recondução ao cargo por mais quatro anos.

É preciso deixar o rei nu.

Bolsonaro soube como ninguém se apropriar e manter o popularíssimo avatar antissistema, se aproveitando de uma sociedade com ojeriza do “mais do mesmo” da política e dos muitos que prometeram mudar o sistema e acabaram mudados por ele.

Vestido para matar, Bolsonaro veio para destruir, deixando para terceiros a tarefa do que colocar no lugar. Enquanto esgarça as instituições, lança como isca suas pérolas sem compromisso com a verdade ou o bom senso. As oposições mordem, sem que consigam ir além de resistir e reduzir danos.

E assim vai levando, com aquele ora mais ora menos terço de apoiadores – o suficiente tanto para desencorajar movimentos por impeachment, como para deixá-lo em 2022 com um pé no 2º turno – quando então se vangloriará do provável viés de “despiora” em relação à economia e à pandemia, após o fundo do poço alcançado neste ano.

Ainda que estes tempos nos tragam dificuldades de respirar, é preciso encontrar o oxigênio que nos foi cortado para inspirar mais do que união pela democracia – o que nos levaria a propor apenas a volta do que era.

As oposições que se dizem progressistas devem ser capazes de despir Bolsonaro desse avatar anti-establishment que opera milagres ao vender ares de inovação e mudanças a partir de ideias retrógradas e reacionárias, vindas de um congressista com quase 30 anos de baixo-clero, boa parte dele no PP de Paulo Maluf.

É hora de dobrar a aposta, como quando encontramos o bebum chato na festa. Não será tentando contê-lo que vamos espantá-lo. Teremos que extrapolar e ser mais louco que ele. Ser de fato progressistas.

Como antítese a Bolsonaro, tem-se aí a oportunidade para acelerar a construção do verdadeiramente inovador e revolucionário, ousando-se criar um novo establishment no lugar da terra arrasada.

Em vez de resistir ao chacoalhão das estruturas que criticávamos, temos a chance de reorganizá-las sob novos impulsos criadores. A crise pandêmica abriu ainda mais esta janela para adiantar o futuro e começar a pautá-lo desde já.

No campo trabalhista, por exemplo, ao invés de pararmos no tempo acomodados apenas na defesa da CLT de Vargas, os progressistas devem também chamar respostas para a inevitável substituição de vagas de trabalho por máquinas. Que tal trazer para a agenda o que já vem sendo debatido em países europeus, como a redução da jornada para 32 horas, com mais gente trabalhando, por menos tempo? Por sinal, uma medida cujos estudos apontam melhoras na mobilidade urbana, no clima, na conta de luz e na saúde, com a diminuição das faltas, sem comprometimento da produtividade.

O ajuste dos relógios ainda alavancaria a economia do lazer e da cultura, privilegiando o tempo para usufruir desses serviços ao invés de incentivar o consumismo material num planeta que não tem tido tempo – na correria que lhe impomos – para renovar seus recursos.

Os experimentos de redução da jornada de trabalho também se articulam com mecanismos de renda básica, associados a saídas inovadoras no campo previdenciário, com a expectativa de vida crescente. Que tal um Bolsa Família 2.0, mais robusto, numa mobilização nacional pela erradicação da extrema pobreza que garanta o mínimo para todos? A partir daí podemos criar uma competição mais justa no mundo do trabalho.

Que tal discutirmos o entendimento de empresas como entes de interesse público? A partir de exemplos como o Sistema B de “benefício”, ou o ESG, sigla em inglês para “ambiental, social, governança”? O debate nacional precisa incorporar esses pilares na análise dos investimentos, indo além das tradicionais métricas econômico-financeiras.

Ao invés de reprimir, que tal alavancar as iniciativas de economia compartilhada das favelas e comunidades rurais? Precisamos discutir as políticas públicas do futuro, que por vezes nascem nas margens e nas periferias, já denunciando o que não funciona no centro do sistema. Reunir essas inteligências também passa por fortalecer a participação social, os conselhos, os mecanismos de democracia direta, de proatividade cidadã na construção de políticas mais apropriadas às realidades dos que mais precisam delas.

No país líder em biodiversidade, em plena emergência climática global, a deixa está dada para contrapor um governo antiambientalista. Políticas de desmatamento zero, eficiência agrícola e polos industriais de biotecnologia e bioeconomia não só têm o potencial de movimentar trilhões de dólares para o país, como também pode nos posicionar na liderança da vanguarda mundial dos novos paradigmas de desenvolvimento.

Para sermos de fato progressistas, é preciso assumirmos a construção da agenda do futuro, que vai muito além dos exemplos acima e exige uma disposição imediata de ser mais louco que o bêbado, pautar ao invés de ser pautado e, assim, libertar-se da condição de refém de debates que param o país discutindo cloroquina ou voto impresso.

Se a melhor forma de prever o amanhã é construí-lo, essa é também a melhor estratégia para combater o exterminador do futuro: com mais doses de futuro.

*Caetano Scannavino é empreendedor social, coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, com atuação na Amazônia.

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Gado pode regenerar pastagens degradadas, defendem especialistas https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/05/gado-pode-regenerar-pastagens-degradadas-defendem-especialistas/ https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/05/gado-pode-regenerar-pastagens-degradadas-defendem-especialistas/#respond Fri, 06 Nov 2020 00:43:53 +0000 https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/triqueda-320x215.png https://ambiencia.blogfolha.uol.com.br/?p=857 A recuperação de pastagens degradadas é um dos desafios centrais para a conciliação do setor da agropecuária com a conservação ambiental e o combate às mudanças climáticas.

Para três especialistas do agro, a própria atividade pecuária pode ser a ferramenta para a recuperação das pastagens degradadas. A chave seria um método baseado no comportamento da natureza, replicando os movimentos migratórios de grandes manadas de herbívoros.

Em artigo exclusivo para o blog Ambiência, eles explicam como conciliam produtividade com regeneração ambiental e defendem que o método pode mudar o paradigma da pecuária brasileira.

O texto é assinado pelo engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes Pinto, do Instituto Imaflora, e também por dois pecuaristas que implementam o método em suas fazendas: Leonardo Resende, sócio da Fazenda Triqueda, doutor em Geografia e Meio Ambiente e cofundador do projeto Pecuária Neutra e Regenerativa; e Filippo Leta, especialista em manejo regenerativo e fundador da marca Ah Pashto.

Os autores criticam as estratégias apoiadas atualmente pelo governo federal para recuperação de pastagens. “Nenhuma delas foca na origem do problema, que é o manejo ineficiente das pastagens; ou seja, elas não impedem que a degradação se repita de forma cíclica”.

Leia a seguir a íntegra do artigo.

Como revitalizar as pastagens degradadas do Brasil*

Há uma boa convergência de que o modelo de produção de alimentos adotado demanda mais recursos naturais do que a biocapacidade do planeta, agravando o aquecimento global e os extremos climáticos, isso sem se referir à perda de cobertura natural do solo, da biodiversidade, entre outros.

De acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), a Agenda Global tem como uma das principais diretrizes a redução da pegada ecológica do agronegócio, sendo parte desse desafio associado à redução global da degradação de terras férteis, estimada em 1% ao ano durante as últimas décadas.

No que diz respeito à pecuária brasileira, o principal esforço está concentrado em reduzir o percentual de pastagem diagnosticada como degradada de 52,43%, (ou 90,85 milhões de hectares) e elevar a baixa produtividade média, hoje de 0,7 cabeças/ha.

Vale destacar que o processo de degradação se caracteriza pela perda de matéria orgânica do solo, liberando o carbono estocado para a atmosfera, intensificando o passivo ambiental do 2º maior emissor de gases de efeito estufa do setor.

Mapa da distribuição das pastagens degradadas no Brasil (Imagem: LAPIG)

Nesse contexto, algumas estratégias podem ser utilizadas para reverter esse cenário, sendo a reforma de pastagens degradadas e a implementação da Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) as mais utilizadas no Brasil.

Ambas são incentivadas pelo Governo Federal através do Plano da Agricultura de Baixo Carbono (ABC), mas, paradoxalmente, nenhuma delas foca na origem do problema, que é o manejo ineficiente das pastagens; ou seja, elas não impedem que a degradação se repita de forma cíclica.

Para isso, também será necessário que haja uma evolução de boas práticas relacionadas ao manejo adequado das pastagens, com o potencial de mudar o paradigma da pecuária a pasto brasileira para um sistema de produção efetivamente agroecológico e sustentável.

Nesse contexto, a Pecuária Regenerativa vem sendo difundida no mundo apoiada por vários centros de pesquisa, como é o caso da Arizona State University, nos Estados Unidos, e da University of Alberta, no Canadá, assim como os Hubs do Instituto Savory, no Brasil, Argentina, Chile, África, entre outros.

A Pecuária Regenerativa busca mimetizar (ou imitar) o comportamento da natureza, utilizando o gado como ferramenta para revitalizar as pastagens, replicando a história de sucesso do período anterior à domesticação dos animais, quando as grandes manadas de herbívoros desempenhavam um papel importante no equilíbrio dos ecossistemas.

Eles se mantinham sempre agregados em grandes rebanhos e em movimento constante para se protegerem contra os predadores, podando os campos nativos em movimentos migratórios, contribuindo de maneira fundamental para a ciclagem de nutrientes e a vitalidade da vegetação.

Somado a isso, o ajuste da taxa de lotação e da pressão dos animais sobre a pastagem permite que a biomassa seja dividida em três partes similares: a primeira para nutrição dos animais, a segunda depositada no solo como matéria orgânica residual, e a terceira remanescente como base da planta para que a pastagem alcance uma performance de alto rendimento, permitindo maior vitalidade para todo o sistema.

A partir de um diagnóstico holístico, um plano de pastoreio racional é elaborado, respeitando as estações do ano e as fases da pastagem (crescimento e estagnação) e o contexto de cada piquete (ou pasto) ou, nos termos regenerativos, de cada microecossistema produtivo.

Caso a leitura desse microecossistema produtivo seja feita de forma sistemática e assertiva, as pastagens tropicais têm o potencial médio de seis ciclos de crescimento durante os meses mais quentes e úmidos (fase crescimento) e de três ciclos durante os meses mais frios e secos (fase da estagnação).

A cada ciclo de crescimento bem manejado, mais matéria orgânica é depositada no solo, incrementando o estoque de carbono em aproximadamente 1,4 toneladas de CO2 equivalente por hectare a cada ano.

Através do aumento do processo de fotossíntese e da matéria orgânica, os cinco pilares naturais do sistema produtivo são beneficiados, a saber:

1) ciclo da água: a matéria orgânica adicional diminui a velocidade de escoamento superficial da água da chuva, assim como a temperatura do solo e o processo de evapotranspiração, aumentando a disponibilidade hídrica, potencializando a taxa de infiltração e a recarga do lençol freático;

2) ciclo do carbono: a otimização dos ciclos de crescimento da pastagem e incremento de matéria orgânica representam um sequestro de carbono adicional, capaz de mitigar as emissões da pecuária;

3) balanço de energia: o manejo mais eficiente privilegia a conservação da energia por meio de processos sintrópicos (de forma antagônica à pecuária tradicional e entrópica);

4) dinâmica de nutrientes: mais fotossíntese significa mais carboidratos, privilegiando tanto a nutrição dos animais quanto toda a biodiversidade local;

5) dinâmica da macro e microbiologia: com mais água e carboidratos disponíveis, toda a cadeia trófica se beneficia, desde fungos, ácaros, micorrizas, fixadores de nitrogênio, nematoides, pequenos insetos, roedores, aves, até os predadores do topo de cadeia.

A quebra de paradigma representada por esse modelo produtivo inteligente do ponto de vista ambiental e climático sinaliza a possibilidade de que as fontes de proteína animal (ex: carne, couro, leite e derivados) possam ter sua origem diferenciada, passando esses produtos a não serem meramente denominados como commodities, que valem o quanto pesam, mas, sim, de acordo com o valor intrínseco referente ao seu indicador de sustentabilidade.

No que diz respeito à figura do produtor rural, experiências internacionais sinalizam que esse modelo o aproximou de um consumidor final, com perfil moderno e ávido por produtos de menor impacto ambiental, encurtando os elos da cadeia produtiva e aumentando sua lucratividade.

Tais práticas regenerativas são não só muito mais complexas, como também proporcionam muito mais benefícios, fortalecendo a busca de uma fonte de proteína animal segura, capaz de mitigar as mudanças climáticas, de apoiar a sociedade no desafio da segurança alimentar, bem como restaurar áreas degradadas.

O Brasil já domina as tecnologias da pecuária regenerativa. A Food Tank, instituição Norte Americana dedicada à construção de uma comunidade global sustentável, divulgou uma lista com os “28 projetos mais inovadores de pecuária no mundo e que estão moldando o futuro da proteína de origem animal”.

Dentre esses, duas iniciativas brasileiras foram selecionadas, e ambas fazem parte do Projeto Pecuária Neutra e Regenerativa: a fazenda Triqueda e a Ecofarms, sendo esta última também detentora do selo para pecuária da Rainforest Alliance e auditada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) nas dimensões social, econômica e ambiental.

O próximo passo é construir políticas públicas e incentivos de mercado que multipliquem esses exemplos e alavanquem, em grande escala, a pecuária sustentável brasileira.

*Por Leonardo de Oliveira Resende, da Fazenda Triqueda, doutor em Geografia e Meio Ambiente e co-fundador do projeto Pecuária Neutra e Regenerativa; Luís Fernando Guedes Pinto, pesquisador do Imaflora, engenheiro agrônomo, doutor em Agronomia e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais; e Filippo Fernando Bouzon Leta, especialista em manejo holístico e regenerativo, fundador da marca Ah Pashto e membro do Savory Institute no Brasil.

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