Secretarias estaduais pressionam Bolsonaro a aceitar Acordo de Paris

Representantes de órgãos ambientais e secretarias estaduais do Meio Ambiente que participam da COP-24 do Clima, na Polônia, aprovaram nesta quinta-feira (13) uma carta ao presidente eleito Jair Bolsonaro pedindo que ele mantenha o compromisso brasileiro com o Acordo de Paris.

Defendendo que o Acordo de Paris “não fere nossa soberania”, o texto traz argumentos econômicos para a permanência do país no compromisso, como  a modernização da indústria com tecnologias limpas e o incentivo ao “negócio florestal”, que, segundo a carta, “poderá ser alavancado na recuperação de florestas, criando novas oportunidades e geração de emprego no campo, além da proteção dos nossos mananciais hídricos que as elas proporcionam”. 

A mobilização é inspirada na reação americana à saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. O texto assinado pelos órgãos ambientais brasileiros é uma tradução fiel à carta enviada a Trump em 2017 pelos presidentes de 30 grandes empresas americanas, como Coca-Cola, Goldman Sachs, Unilever e Proctor & Gamble.

As críticas de Bolsonaro ao documento também são ‘traduções’ semelhantes ao discurso de Trump, que já falava em suposta ameaça à soberania do país pelo acordo climático durante a campanha que o levaria à presidência em 2016.

Desde que confirmou o anúncio de saída do acordo, Trump tem recebido respostas contrárias à sua decisão por parte de dez estados americanos, 280 cidades ou distritos, 2.160 negócios e 347 universidades – todos afirmando que o país segue engajado com as metas climáticas. O movimento We Are Still In (“ainda estamos dentro”, em tradução livre) tem trazido uma delegação alternativa às COPs do Clima, com pavilhão próprio para suas atividades durante a conferência.

Segundo relatório do World Resources Institute (WRI), o engajamento de empresas e governos locais nos Estados Unidos deve garantir o cumprimento de dois terços da meta americana no Acordo de Paris. O país já reduziu 12% das suas emissões de gases-estufa entre 2005 a 2016 e a redução pode chegar a 17% até 2025, mesmo sem o engajamento do governo federal. A proposta do país, no entanto,  era de reduzir pelo menos 26% das emissões.

A estratégia de fortalecer o compromisso dos governos locais em caso de o país deixar o acordo climático tem sido aventada pela delegação brasileira ao longo da COP-24.

A representante do Conselho Empresarial Brasileiro (CEBDS) para o Desenvolvimento Sustentável, Ana Carolina Szklo, também afirmou na conferência que as empresas do grupo – incluindo multinacionais como Santander, Braskem, Shell, Natura e Votorantim – também devem manter suas ações climáticas.

Ao longo do ano, o CEBDS tentava convencer o Ministério da Fazenda de Temer sobre a regulamentação do mercado de carbono no país. Agora, tenta uma reunião com a equipe de transição para manter a agenda no governo Bolsonaro.

Por outro lado, uma imitação da reação americana pode ser limitada, conforme alertam ambientalistas brasileiros em resposta às questões da comunidade internacional na COP-24.

“No Brasil o poder é muito mais centralizado no governo federal, principalmente para ações de controle ambiental, onde o Brasil tem grande potencial de reduzir suas emissões”, lembra André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Até o momento desta publicação, a carta foi assinada por órgãos ambientais de dezoito estados brasileiros: Espírito Santo, São Paulo, Amapá, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Sergipe, Amazonas, Mato Grosso, Paraíba, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Tocantins, Alagoas, Paraná, Rio Grande do Sul, Piauí e Acre. A articulação do documento é da Abema, Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente.

O presidente da associação, Aladim Cerqueira, afirma que os estados têm grande oportunidade de receber incentivos financeiros com o Acordo de Paris para conciliar preservação florestal e produção agropecuária. “Os estados têm tido mais sucesso [que o governo federal] em promover essa conciliação; por isso recebemos, por exemplo, repasses do Fundo Amazônia”, argumentou em reunião do grupo na COP-24.

De volta da Polônia no final da semana, o presidente da Abema quer entregar o documento à equipe de transição do governo federal, em Brasília.

Abaixo, a íntegra da carta.

Katowice, Polônia, 13 de dezembro de 2018

Excelentíssimo Senhor Presidente Eleito Jair Bolsonaro

Estamos escrevendo para expressar nosso apoio para que o Brasil permaneça e fortaleça sua participação no Acordo Climático de Paris.

Como representantes dos órgãos ambientais dos Estados de nossa Federação, e diante das crises ambientais que estamos vivenciando e devemos enfrentar, nos Termos do Acordo e nos projetos que ele mobiliza, enxergamos oportunidades. Desejamos também manter as portas abertas para o fluxo global de produtos brasileiros neste momento crítico em que nossa economia precisa crescer em volume e competitividade. Consideramos vital cuidar da nossa base de recursos naturais, que propicia água e outros serviços ambientais cruciais, tanto para a sobrevivência de nossa agricultura quanto para a saúde e bem-estar de nossa população.

Com base na vasta experiência em negociações internacionais do Brasil, nas áreas de meio ambiente e comércio, acreditamos que as regras do Acordo não interferem em nossa soberania e permitem, pela via da negociação multilateral, que o Brasil obtenha consideráveis vantagens na agenda de comércio internacional e que se abra um leque de oportunidades na área florestal e da economia verde.

Interesses nacionais serão mais bem atendidos se construirmos uma estrutura estável e prática de resposta, que conduza um tratamento equilibrado à redução das emissões globais de gases de efeito estufa, bem como o financiamento ao aumento da resiliência de nossa economia a desastres naturais e eventos extremos.

Proteger nossos recursos naturais é proteger nossa infraestrutura e sociedade. E o Brasil, na riqueza, resiliência e produtividade dos seus recursos naturais, terá a capacidade, em uma política bem conduzida, potencializar os desafios da conservação na organização e geração de oportunidades de negócios e empregos.

Proteger a sociedade brasileira dos impactos do aquecimento global conforme previsto no Acordo de Paris não fere nossa soberania. O Acordo nos dá uma estrutura flexível para uma transição suave para negócios promissores em ambientes resilientes. Acreditamos que as empresas brasileiras se beneficiarão da participação do Brasil no Acordo de Paris, uma vez que este:

  • Fortalece nossa competitividade nos mercados globais;
  • Beneficia nossa indústria, na medida em que nos modernizamos para tecnologias novas e mais eficientes;
  • Apoia o investimento, definindo metas claras que permitem o planejamento de longo prazo;
  • Expande os mercados globais e domésticos para tecnologias limpas e eficientes em energia, o que gerará empregos e crescimento econômico;
  • Aproveita o potencial dos recursos naturais do Brasil, em seus diversos biomas. O negócio florestal poderá ser alavancado na recuperação de florestas, criando novas oportunidades e geração de emprego no campo, além da proteção dos nossos mananciais hídricos que as elas proporcionam;
  • Incentiva soluções baseadas no mercado e inovação para alcançar reduções de emissões a baixo custo.

Precisamos avançar na Cooperação Federativa envolvendo e oportunizando aos Estados Brasileiros o fortalecimento das ações de Meio Ambiente trazidas no Acordo de Paris, pela capacidade executiva que os órgãos estaduais possuem, mas que necessita da abertura com o Governo Federal para construir esses caminhos. Temos o compromisso de trabalhar com o Governo Federal para implementar as Contribuições Nacionais Determinadas, compromissos do Brasil para com o Acordo. Com a União, criaremos empregos e aumentaremos a competitividade do país. Vamos trabalhar juntos para manter o “status” do Brasil como protagonista nas áreas de energia renovável e agricultura sustentável, promovendo com isso o justo e livre comércio, novas oportunidades nos negócios florestais, o crescimento econômico inclusivo e a inovação tecnológica.

Agradecemos a oportunidade de compartilhar nossas opiniões e gostaríamos da oportunidade de fornecer mais informações à medida que a Administração continua a moldar suas políticas.

Respeitavelmente,

ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente)