Temer entregará a Bolsonaro apelo sobre mudanças climáticas

Em seu último dia na Presidência da República, Michel Temer tem sobre sua mesa um documento de apelo para que Bolsonaro considere os riscos e as oportunidades das mudanças climáticas para o Brasil.

O texto, ao qual o blog teve acesso, é assinado pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima – órgão misto com membros do governo, de empresas e da sociedade civil, presidido pelo presidente da República. A partir de janeiro, Bolsonaro passa a presidir o órgão e deverá nomear um coordenador para os trabalhos.

Em reunião com membros do Fórum na última quarta-feira (26), Temer reafirmou sua aposta – já declarada em reunião do G-20, no fim de novembro – de que Bolsonaro não deve deixar o Acordo de Paris.

Segundo fontes presentes na reunião, Temer teria dito que “campanha é campanha; quando senta nesta cadeira, o ângulo é diferente.”

Na conversa, estavam presentes os ministros da Secretaria de Governo, Carlos Marun, e do Meio Ambiente, Edson Duarte, além do coordenador-executivo do Fórum, Alfredo Sirkis, e a professora de planejamento energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carolina Dubeux.

Na reunião, Temer também prometeu entregar a Bolsonaro o estudo “Brasil Carbono Zero em 2060”, encomendado por ele ao Fórum e noticiado pela Folha. Fontes ligadas à Presidência ainda não confirmam o momento da entrega dos documentos sobre mudanças climáticas ao novo presidente.

O APELO

Em apenas duas páginas, o texto endereçado a Bolsonaro traz informações básicas sobre as mudanças climáticas, em tom didático. A primeira página descreve os riscos climáticos aos quais o Brasil está exposto e que exigem políticas de adaptação ao clima – como secas, enchentes e aumento do nível do mar.

A segunda parte cita as oportunidades econômicas que ações climáticas podem criar, como geração de empregos e atração de investimentos, com ênfase nos setores da agricultura e das energias renováveis.

Confira abaixo a íntegra do texto.

Mudança do Clima – Riscos e Oportunidades para o Brasil

Mudança do Clima e o futuro do Brasil

Os cientistas e os governos reconhecem que a Mudança do Clima é um dos maiores desafios do século XXI. A forma pela qual um país enfrenta esse desafio pode determinar o seu futuro. A mudança do Clima, ao contrário do que muitos pensam, não é apenas um tema ambiental. É um tema estratégico que envolve decisões que impactam a economia, tecnologia, comércio internacional, recursos naturais, modelo energético, segurança alimentar, segurança hídrica, segurança nacional, entre outros. Para o Brasil ela traz riscos mas também oportunidades econômicas. O Brasil precisa conhece-los para tomar as melhores decisões que garantam um futuro de prosperidade e independência. O Brasil dispõe de recursos naturais abundantes e muito conhecimento acumulado no governo, na academia e no setor produtivo, além de uma longa experiência de cooperação entre os diversos atores envolvidos nesse tema.

Riscos

A ciência mostra, inequivocamente, que o aquecimento do planeta é inexorável e provocado por emissões de gases efeito estufa provenientes principalmente da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento. A temperatura média do planeta já se elevou em um grau desde o início da era industrial. As consequências ou impactos já são muito devastadores e incluem eventos extremos como furacões, inundações, ondas de calor, incêndios florestais e a elevação do nível do mar, com frequência e intensidade crescentes, que provocam perdas de vidas humanas e graves prejuízos na economia.

Além dos eventos extremos, o aquecimento vai modificar o padrão climático que conhecemos (a distribuição e quantidade das chuvas, períodos secos, temperaturas, etc) e no qual desenvolvemos a nossa agricultura, nossas cidades, a infraestrutura de estradas e costeira, nossa matriz energética. Precisaremos nos preparar e adaptar em relação a essas mudanças. O Brasil será impactado em muitas áreas, sofrerá enchentes e estiagens mais frequentes, intensas e prolongadas, sua geração de energia elétrica será afetada pela redução da vazão média dos rios, haverá modificações nas áreas agricultáveis para nossos principais cultivos, ampliação e desertificação do semi-árido, elevação do mar com inundação de áreas costeiras. Para tudo isso serão necessárias medidas de adaptação.

Além de se adaptar será necessário combater as causas do aquecimento global contribuindo com os demais países para manter o aumento da temperatura abaixo de dois graus, até o final século. Atualmente a tendência aponta para um aumento de mais de três graus, podendo chegar a mais de quatro, o que trará consequências catastróficas para futuras gerações próximas, ainda no tempo de vida de nossos filhos e netos. Será necessário fazer uma transição para uma economia de baixo carbono, ou seja: plantar mais do que desmatar, usar energia renovável –inclusive nos transportes– promover a agricultura de baixo carbono(ABC) e substituir certos processos industriais e construtivos.

Oportunidades

Num contexto de mobilização mundial para enfrentar as mudanças climáticas o Brasil apresenta algumas grandes vantagens competitivas: enormes extensões de áreas (mais de 60 milhões de hectares de pasto degradado) capazes de absorver carbono via reflorestamento –tanto da mata nativa como econômico– e recuperação de pastagens, liderança nas técnicas de agricultura de baixo carbono (ABC), matriz energética mais limpa que a da grande maioria dos países o que contribui para uma produção industrial menos carbono intensiva.

Esses atributos se traduzem em oportunidades para atrair vários tipos de investimentos, de países e empresas com mais dificuldade para obter resultados rápidos em suas próprias economias. Milhões de novos empregos podem ser gerados em reflorestamento, práticas agrícolas e florestais sustentáveis, instalação descentralizada de painéis solares, promoção de eficiência energética em variados níveis.

O caminho inexorável de descarbonização do planeta pode colocar países em disputa, pautar a corrida tecnológica, alterar a competitividade. As grandes corporações, tecnologias e países estão traçando suas estratégias e o Brasil não pode ficar a reboque. Precisaremos escolher aquelas que mais nos beneficiam maximizando as nossas vantagens competitivas. O pior cenário é aquele no qual o Brasil padeça das consequências de mudanças climáticas sem estar devidamente preparado e sem tomar partido de suas vantagens competitivas e oportunidades.

A nossa soberania e o Acordo de Paris

Por ser um tema global, que atinge a todos e só tem efetividade com o envolvimento de todos os países, ele é tratado no âmbito das Nações Unidas. O seu principal marco legal é a Convenção do Clima, assinada na Rio 92 e ratificada por mais de 195 países, sendo que o Brasil tem a honra de ter sido o primeiro país a assiná-la.

O Acordo de Paris, que é um instrumento da Convenção do Clima, foi elaborado com a participação ativa da diplomacia brasileira que sempre esteve atenta aos aspectos referentes à soberania e aos interesses nacionais. O Acordo de Paris é baseado em compromissos voluntários elaborados pelos próprios países. O Brasil foi o primeiro a ratifica-lo com aprovação do Congresso. Elaborou sua própria contribuição (NDC) de forma soberana e embasada em estudos científicos.

A contribuição brasileira, apresentada à ONU, é de reduzir suas emissões em 37%, no ano de 2025 e 43%, no ano 2030, comparado às suas emissões de 2005. Tem como base estudos que avaliaram os impactos na economia, no emprego, no consumo das famílias. Graças a nossos recursos renováveis, tecnologias e nossos diferenciais competitivos, podemos atingi-lo de diversas maneiras. O Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC) elaborou com participação de mais de 340 entidades de governo, iniciativa privada, terceiro setor e academia uma Proposta Inicial para a Implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil (NDC) que sugere as medidas práticas para fazê-lo de forma mais eficiente e vantajosa.

Combater a mudança do clima é um imperativo do século XXI. Todos os países terão de se engajar. Não fazê-lo significa ficar à margem do desenvolvimento tecnológico futuro que ditará nossa competitividade internacional, expor nossas exportações e prestígio. Fortalecer o desenvolvimento de baixo carbono abrirá grandes oportunidades na economia, gerando empregos e consolidando a imagem do Brasil como potência internacional.

Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC)