Governos insistem em afrouxar licenciamento, a melhor vacina contra desastres ambientais

Existe uma vacina contra desastres ambientais e ela está prevista na Constituição. É o licenciamento ambiental. A tragédia de Mariana mostrou ao país para que ele serve: dar segurança à população, ao entorno e também ao empreendedor.

A repetição da tragédia na mesma região, sob responsabilidade da mesma empresa, acende ainda outro alerta: a fiscalização continuou precária. A falta de investimentos e de recursos técnicos para os órgãos ambientais não apontam melhora nesse quadro.

Por outro lado, nos três anos que separam os desastres de Brumadinho e Mariana, o Congresso Nacional tramitou pelo menos quatro propostas de flexibilização do licenciamento ambiental, motivado por lobbies do agronegócio e da indústria.

Uma delas ganhou o apelido de “PEC da Samarco” por ter chegado ao plenário do Senado apenas seis meses após a tragédia de Mariana. Segundo a proposta de emenda à Constituição, a apresentação de um estudo de impacto ambiental já seria suficiente para se autorizar a execução de uma obra – independentemente dos resultados do estudo.

Outro projeto de lei, do então senador Romero Jucá (MDB-RR), pedia facilitação do licenciamento de obras consideradas ‘estratégicas para o país’. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também elaborou sua proposta para flexibilização do licenciamento, como a Folha revelou na época.

A articulação que mais avançou foi a da Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004). Apelidada de “licenciamento flex”, a proposta dispensava o agronegócio do processo e previa o licenciamento automático para obras consideradas de baixo impacto ambiental – o que não inclui o setor da mineração. Arquivados no fim da legislatura, os projetos podem ser recuperados para tramitação no Congresso a partir de fevereiro, com a volta do recesso parlamentar.

O entendimento do atual ministro do Meio Ambiente, no entanto, é mais preocupante que a proposta do Congresso. Há duas semanas, ele defendeu em reunião com o Secovi (Sindicato da Habitação) em São Paulo que o licenciamento de obras também poderia ser obtido com uma “autodeclaração”. A proposta é de que o próprio empreendedor se declare em conformidade com a lei, sujeitando-se a uma fiscalização posterior.

Ricardo Salles, hoje à frente do Ministério do Meio Ambiente, já havia proposto a autodeclaração como documento equivalente à licença quando foi secretário estadual de meio ambiente em São Paulo. Em outubro de 2016, chegou a encomendar à Cetesb a revisão do decreto que versa sobre o tema e propôs que o próprio empreendedor ateste pela internet, na página da Cetesb, que leu e se comprometeu com os termos. Segundo ele, a autodeclaração conta com “a presunção da boa fé”.

A flexibilização do licenciamento gerou críticas de ambientalistas por diminuir as garantias de integridade ambiental e ainda por incentivar uma ‘guerra fiscal’ entre os governos dos estados, que poderiam disputar a diminuição das exigências estaduais para licenciamento ambiental, a fim de atrair investimentos.

Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, também chegou a tramitar na última legislatura um projeto de lei de iniciativa popular (PL 3676/2016) estabelecendo regras mais rigorosas para o licenciamento e a fiscalização das barragens. O projeto tem como base a Política Nacional de Segurança de Barragens – que existe desde 2010 e merece ser levada a sério pelo governo que garante, lá fora, conciliar meio ambiente e desenvolvimento.

Entender o licenciamento como prevenção de desastres é o primeiro passo para levar a sério o processo, que é de interesse público e também deveria estar entre as preocupações dos que empreendem e investem. Desafiado a dar uma resposta mais firme para Brumadinho do que houve para Mariana, o novo governo deverá compreender que a presunção de boa fé sem a vacina do licenciamento é apenas falta de cautela.

 

Como funciona o licenciamento ambiental

Falta de recursos em órgãos ambientais ajuda a explicar a demora na concessão da licença e a precariedade da fiscalização.

Passo a passo

1 – Empreendedor apresenta pedido de licença às autoridades.

2 – Órgão licenciador define qual estudo de impacto ambiental deve ser apresentado.

3 – Empresa apresenta estudo de impacto ambiental.

4 – Para alguns tipos de obras, deve se realizar audiência pública com população impactada e especialistas.

5 – Órgão analisa concessão da licença.

Tipos de licença

Única – para obras de baixo impacto ambiental

Trifásica – para obras de alto impacto; consiste em licença prévia, de instalação e de operação.

Depois da licença

Empreendedor –  deve apresentar relatórios sobre o cumprimento das condicionantes ambientais da obra.

Órgão ambiental – deve fiscalizar o cumprimento das condicionantes ambientais.