Corretor de seguros dá ‘tom perfeito’ ao Roda Viva com ministro do Ambiente
“Apresenta uma apólice de seguro; resolve o problema da fiscalização”, sugeriu um dos entrevistadores do programa Roda Viva ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que ocupou o centro da roda exibida pela TV Cultura nesta segunda (11).
“Olha, Gustavo, você deu o tom perfeito”, respondeu o ministro, considerando moderna a sugestão de obrigar empreendedores a contratarem um seguro contra tragédias.
Gustavo Cunha Mello, creditado pelo programa como analista de risco, seria beneficiado pela nova lei que propôs ao vivo. Ele é dono de uma corretora de seguros, a Correcta.
“O governo do senhor pretende mudar isso, passar a exigir um seguro mínimo, de acordo com atividade de risco?” foi a pergunta de Mello. Antes que ele finalizasse, o ministro já concordava com a cabeça, chegando a exclamar um “exatamente”.
Mello começa sua proposta se referindo a empreendimentos de alto impacto, como indústria química e mineradoras.
“Tem que ter um seguro ambiental e um seguro de responsabilidade civil para danos extra muros, que machuquem as pessoas, destruam suas casas, desvalorizem imóveis na vizinhança porque eu joguei um produto químico ali”, sugere.
A elaboração termina, no entanto, oferecendo uma solução para empreendimentos de baixo impacto ambiental. Usa o exemplo de uma marcenaria, citado anteriormente pelo ministro.
“Então se ele apresenta uma apólice, eu não preciso ter fiscal para ir ver uma marcenaria”. A proposta vem junto ao reconhecimento de que o empreendimento não é isento de riscos. “O pó da madeira aumenta muito a probabilidade de pegar fogo e explodir”.
Segundo o currículo que consta em seu próprio site, o economista é sócio da “maior corretora de seguros aeronáuticos do Brasil, também opera com riscos industriais, riscos de petróleo, transportes, agronegócio, garantias e fianças”.
Convidado para comentar todo tipo de tragédia na televisão e nos jornais, Mello foi alvo da crítica do Observatório da Imprensa ainda em 2008, quando apareceu em diversos veículos como “especialista em aviação” e foi criticado por André Borges Lopes no texto ‘Como nasce um especialista’.
A harmoniosa troca de ideias entre Mello e Salles no Roda Viva ajuda o ministro a sair de uma saia justa imposta pela sequência de tragédias que acomete o país e que poderia demandar mais atuação do Estado – com mais rigor na fiscalização de empreendimentos, por exemplo. Salles defende a tese oposta: de ‘desinchar’ o Estado e se aproximar do setor privado.
À bancada do Roda Viva, ele esclareceu que não está revendo suas convicções.
Voltou a defender que há excessos na fiscalização e que a simplificação do licenciamento para empreendimentos de baixo impacto ambiental poderia liberar o governo para focar a fiscalização nos empreendimentos complexos — entretanto, Ibama e órgãos estaduais já dão tratamento simplificado para licenciamento de empreendimentos de baixo impacto ambiental.
A bancada de entrevistadores também contou com a jornalista Cristina Serra, autora do livro Tragédia em Mariana; a comentarista da rádio Jovem Pan e colunista do jornal O Estado de S.Paulo, Vera Magalhães; o ex-secretário estadual do ambiente Xico Graziano e o ambientalista Carlos Rittl, do Observatório do Clima.
Além de enfatizar as declarações que vem dando à imprensa desde que assumiu o mandato, Salles revelou que não conhece a Amazônia – está voando pela primeira vez para a região nesta terça – e nem Chico Mendes.
“É irrelevante, que diferença faz quem foi Chico Mendes neste momento”, afirma o ministro, colocando em dúvida a reputação do seringueiro assassinado em 1988 por defender a conservação das florestas no Acre.
Ao fim do programa, o ministro não soube destacar um livro sobre meio ambiente que ele tivesse como referência. “Os livros técnicos”, respondeu.
Após a publicação deste post, Gustavo Cunha Mello entrou em contato com o blog e pediu o esclarecimento, enviado por nota, de que não pediu nada para si mesmo, mas “em prol de toda a sociedade – repetindo melhores práticas de muitos países”. Ele enfatiza que o benefício apontado pelo blog seria para todo o segmento de seguros e não apenas para sua empresa.
“Ainda que na remota hipótese de me beneficiar pela sugestão ao ministro, eu não estaria incorrendo em crime ou sendo antiético”, acrescenta.
Abaixo, a íntegra do Roda Viva.