Mourão, Marina Silva e mídia internacional defendem memória de Chico Mendes
A repercussão da entrevista do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no programa Roda Viva na noite da segunda (11) provocou respostas do vice-presidente, Hamilton Mourão, da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e até do jornal inglês The Guardian. Antes, é claro, bombou no Twitter e levou a hashtag “Chico Mendes” ao primeiro lugar dos assuntos mais falados na rede social nesta terça (12).
No programa da TV Cultura, o ministro afirmou não conhecer Chico Mendes e mostrou duvidar da sua reputação. “Pessoas do agro dizem que Chico Mendes usava seringueiros para se beneficiar, fazia uma manipulação”, diz. Ricardo Lessa, apresentador do Roda Viva, intervém com a questão “se beneficiar em quê? Ele morreu pobre!”. E é aí que Salles solta a frase que a internet não perdoaria. “O fato é que é irrelevante. Que diferença faz quem é Chico Mendes neste momento?”.
A primeira diferença lembrada por publicações nas redes sociais é que o Brasil é o país que mais mata ativistas de meio ambiente no mundo. Segundo relatório da Global Witness, 28% dos assassinatos de ambientalistas aconteceram no Brasil em 2017 – foram 57 mortes, boa parte delas em áreas rurais, em conflitos que envolvem as atividades de mineração, exploração madeireira e agropecuária.
O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, que “Chico Mendes faz parte da História do Brasil na defesa do meio ambiente”.
Pelas redes sociais, Marina Silva – ex-ministra do Meio Ambiente e companheira de luta de Chico Mendes – respondeu que Salles não conhecia Chico Mendes “por motivos óbvios: não é ambientalista e é desinformado”.
O ministro respondeu pelo Twitter, trazendo o link de uma notícia do ano de 2004 – 16 anos depois da morte de Chico Mendes – sobre a condenação de seus parentes por improbidade administrativa – mesmo crime pelo qual Salles foi condenado em dezembro.
A declaração do ministro sobre Chico Mendes também repercutiu em veículos internacionais. A matéria do jornal inglês The Guardian enfatizou a relação próxima do ministro com o agronegócio. Já o texto da agência Reuters recupera outra opinião polêmica de Salles, que, logo após a tragédia de Brumadinho, defendeu o licenciamento ambiental facilitado para empreendimentos ‘menos complexos’.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) usou sua palavra no plenário do Senado nesta terça (12) para afirmar que Chico Mendes é referência no Brasil e no mundo e “talvez só quem não saiba é o playboy que ocupa o Ministério do Meio Ambiente”.
Parte das reações à declaração do ministro foi como a da atriz Leandra Leal, que aproveitou para relembrar o legado de Chico Mendes. Tuiteiros também recomendaram filmes sobre Chico Mendes e livros sobre meio ambiente, usando a hashtag do Twitter #instruaosalles, já que o ministro não soube destacar um livro da área na última pergunta respondida por ele no Roda Viva.
Este tuíte abaixo lembrou que Paul Mc Cartney compôs o reggae How Many People em homenagem a Chico Mendes.
Algumas críticas nas redes sociais mostraram preocupação com uma tentativa de “assassinar reputações”. A maior parte, no entanto, ironizou o desconhecimento do ministro. Também não faltou tuíte devolvendo a pergunta: “quem é Ricardo Salles?”.
A repórter da TV Globo, Sônia Bridi, comparou o legado de Chico Mendes com a ficha de Ricardo Salles na Justiça, lembrando sua condenação em primeira instância por improbidade administrativa.
Apoiadores de Salles reagiram endossando as publicações do ministro. Alguns defenderam que ele teria sido humilde ao reconhecer seu desconhecimento. Para a coluna de Mônica Bergamo, Salles esclarece que considera irrelevante a discussão sobre Chico Mendes neste momento, e não a sua figura.
Quem foi Chico Mendes
Mundialmente famoso, Chico Mendes defendeu a exploração econômica da floresta sem derrubá-la. Costumava reunir a comunidade, incluindo crianças e idosos, para ir até as áreas que estavam sendo desmatadas na região de Xapuri (AC). Lá, conversavam com os operadores das motosserras até convencê-los a parar a atividade.
O líder seringueiro e sindicalista é considerado precursor, na prática, do conceito de desenvolvimento sustentável, que prevê equilíbrio entre justiça social, viabilidade econômica e conservação ambiental.
Ele inspirou a criação das Reservas Extrativistas (Resex), reservas de conservação ambiental pertencentes à União e que permitem a exploração de recursos naturais por uma comunidade residente da região.
O ambientalista também dá nome ao ICMBio, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão das áreas protegidas no país.
Em 1987, recebeu o prêmio Global 500 da ONU. Mas sua atuação incomodava interesses do setor pecuarista e ele passou a ser ameaçado de morte no início de 1988. Em dezembro daquele ano, mesmo sob proteção policial, foi assassinado.
O pecuarista Darly Alves e o filho Darci foram condenados a 19 anos de prisão pelo crime – dos quais cumpriram seis. Hoje vivem em uma fazenda na mesma região.