O primeiro e o último dos ministros do Ambiente

O primeiro foi Paulo Nogueira Neto. O conservacionista e principal formulador das estruturas da política ambiental brasileira morreu nesta segunda (25) em São Paulo, aos 96 anos. Entre 1973 e 1985, ele comandou a secretaria que viria a ser o Ministério do Meio Ambiente. Foi indicado ao cargo depois de criticar o decreto que criava o órgão.

O último é Ricardo Salles. O advogado foi diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira e
teve curta experiência à frente da pasta ambiental de São Paulo – de onde leva uma condenação por improbidade administrativa.

Íntimo conhecedor das ambições da bancada ruralista, Salles foi indicado ao cargo após a desistência do novo governo de extinguir a pasta ambiental.

Os dois se encontraram em 2016, quando Nogueira Neto autografou para Salles uma cópia de “Uma trajetória ambientalista”.

O livro editado pelo jornalista Sávio de Tarso transfere para 800 páginas os diários que Nogueira Neto escreveu a mão por 30 anos.

Embora mantenha a obra em lugar de destaque na sala de estar do seu apartamento nos Jardins, em São Paulo, Salles não soube destacar nenhum livro de meio ambiente quando foi questionado pela bancada do Roda Viva (TV Cultura), há duas semanas. “Os livros técnicos”, respondeu.

Para muito além das questões técnicas, o ministro tem como desafio a ponderação de interesses – muitos deles mais poderosos do que o seu ministério.

As estratégias de Nogueira Neto criaram algumas tradições para seus sucessores. Ele buscou apoio na opinião pública. Contou com organizações ambientalistas como suas aliadas. E, apostando no diálogo, evitou criar mais inimigos do que o cargo impõe.

Em 4 de outubro de 1975, ele comemorava em seu diário a publicação de um decreto regulamentador da então Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema). “Agora a Sema realmente vai ter força. Até aqui, nosso poder era quase que apenas moral. Passaremos a poder exigir o cumprimento das nossas normas e padrões e de tomar providências para a imposição de sanções. Nasce, hoje, uma nova Sema.”

Três dias depois, ele contou ter finalmente lido a íntegra do decreto. “Desgraçadamente alguém tirou da Sema a atribuição de estabelecer normas e padrões…Pensei seriamente em colocar o chapéu na cabeça e ir embora”, desabafou.

Já o último ministro tem mostrado não se importar com isso. Em janeiro, contou à Folha que não vê as medidas do governo Bolsonaro como um enfraquecimento do seu ministério – mesmo com a transferência integral do Serviço Florestal Brasileiro para a pasta da Agricultura.

“Não sou enfeite. Não tenho vocação para ornamento”, concluía Nogueira Neto em seu diário, ainda no dia em que soube da retirada de atribuições da sua pasta.

O ministério não exige vocação, mas sinal de comprometimento. É o que a política ambiental brasileira, construída pelo legado do primeiro ministro, ainda aguarda do último.

Erramos: o texto foi alterado

O jornalista Sávio de Tarso foi editor do livro "Uma trajetória ambientalista", e não o coordenador, como informado anteriormente. A coordenação do livro é da advogada Flávia Frangetto.