ONU veta discurso do Brasil na cúpula do clima em Nova York

NOVA YORK   O Brasil não está na lista de países que vão discursar na cúpula do clima da ONU, que acontece na próxima segunda-feira (23) em Nova York.

“O Brasil não apresentou nenhum plano para aumentar o compromisso com o clima”, disse ao blog o enviado especial da secretaria-geral da ONU, Luis Alfonso de Alba.

Segundo ele, a ONU pediu que os países enviassem um plano para aumentar a ambição dos compromissos climáticos e, com base nos documentos que receberam, selecionaram quais países teriam discursos inspiradores.

Também devem ser vetados Estados Unidos, Arábia Saudita, Japão, Austrália e Coreia do Sul. A lista final de discursos tem 63 países, incluindo França e Reino Unido, e deve ser divulgada ainda nesta quarta (18).

O Brasil tinha intenção de discursar durante a cúpula, segundo um diplomata que integra a delegação brasileira nas negociações climáticas e considerou o critério da ONU ‘subjetivo’.

Ele afirmou ao blog que a organização da ONU  foi bagunçada e apresentou diversas formas de participação. Além de apresentar planos nacionais, o país poderia, por exemplo, aderir a alguma das iniciativas que serão lançadas durante a cúpula.

O Brasil, no entanto, preferiu não se comprometer com ações mais ambiciosas. O país propôs à ONU a realização de um evento para promoção dos biocombustíveis como solução de curto prazo para reduzir emissões de gases-estufa. A proposta foi negada para a cúpula, mas vai compor os eventos preparatórios, com uma discussão sobre o tema prevista para o domingo (22), dia anterior à cúpula.

“Se me deixarem, eu falo”, disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao blog. Ele chega em Nova York no sábado (21) e estará presente na cúpula do clima da ONU.

Segundo fontes ligadas ao governo, Salles representaria o Brasil caso o país tivesse espaço para discurso.

“Não há mais tempo para discurso, precisamos focar na ação”, disse Alba a uma plateia de mais de 200 organizações da sociedade civil reunidas nesta quarta em Nova York para discutir ações climáticas.

“É bem-vinda a decisão da ONU. Atores globais devem demonstrar compromisso com o clima para merecer um espaço na mesa” , disse Jennifer Morgan, diretora-executiva internacional do Greenpeace.

“Ficou bem claro que apenas os países que apresentem planos ou ações adicionais terão oportunidade de falar e acho que essa referência é correta para uma cúpula de ambição climática”, acrescentou.

Estrategicamente agendada para a véspera da Assembleia-Geral da ONU, que começa na terça (24), a cúpula do clima foi convocada pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, com objetivo de encorajar a ambição dos países, em uma conversa direta com os chefes de Estado.

A iniciativa do secretário-geral da ONU é vista com reserva pelos diplomatas do Itamaraty. Eles consideram que atropela o processo de negociação estabelecido pelo Acordo de Paris, que prevê revisão de metas entre 2020 e 2023.

As contribuições anunciadas pelos países na assinatura do acordo, em 2015, não são suficientes para conter o aumento da temperatura média do planeta abaixo de 2ºC.

Além do secretário-geral da ONU, acontecimentos de proporção internacional, como o aumento de eventos climáticos extremos e as queimadas na Amazônia, também pressionam para um adiantamento da discussão, que já deve começar na COP-25 do Clima, conferência que negociará os últimos detalhes da regulamentação do Acordo de Paris.

A COP-25 acontecerá em dezembro no Chile. O Brasil sediaria a conferência, mas desistiu após um pedido de Bolsonaro, ainda em novembro do ano passado. Na época, a recusa foi recebida pela ONU com preocupação, por sugerir uma diminuição do compromisso do país com as ações climáticas.

OUTRO LADO

Em nota, o Itamaraty afirmou que a informação do veto da ONU ao discurso do Brasil é “absolutamente infundada e inverídica”, pois a Carta da ONU não apresenta mecanismos de veto a discursos de países em conferências multilaterais.

Segundo a nota, um dos critérios da Cúpula da ONU para não incluir o Brasil é que os oradores deveriam ser chefes de Estado ou de governo.

A nota também afirma que o Brasil enviou apenas ontem (17) o plano pedido pela ONU. Nele o país não apresenta novas metas, mas “descreve políticas e ações que implementa para alcançar as metas já extremamente ambiciosas”.

Segundo diretores de agências da ONU em Nova York, o critério usado para vetar discursos de alguns países é permitido neste caso por ser um evento promovido pelo secretário-geral e não pela Assembleia-Geral da ONU. O blog também apurou que, caso o Brasil fosse convidado a discursar, poderia ser representado pelo ministro, na ausência do chefe de Estado.

*A jornalista viajou a convite da Anistia Internacional e do Instituto Clima e Sociedade (ICS).