Alta histórica no desmatamento da Amazônia aponta beco sem saída

Há 22 anos a taxa de desmatamento da Amazônia não sofria uma subida tão grande de um ano para o outro. A alta de 29% confirmada hoje pelo Inpe só é comparável ao salto de 24% na taxa de desmatamento de 1997 para 1998.

O retorno aos anos 90 coloca em xeque, ao longo desta próxima década, a sobrevivência da Amazônia como floresta tropical e seu papel fundamental na regulação do clima global.

De acordo com estudos sobre a savanização da Amazônia, a floresta, que produz chuvas e estoca carbono, perde suas capacidades se o desmatamento superar a casa dos 20% a 25% do território do bioma, que já tem pelo menos 17% da sua área total desmatada.

Muito antes, no curtíssimo prazo, a diplomacia brasileira chega de cabeça baixa na COP-25 do Clima, daqui duas semanas, quando terá mais dificuldade para negociar sua proposta de regulamentação do mercado de carbono.

Já o Fundo Amazônia, baseado em pagamentos por resultado, não deve contar com novos aportes. O mecanismo remunera o país de forma proporcional à redução no desmatamento.

O governo pode substituir sua preocupação com a gestão do fundo pela gestão do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, que ficará desfalcado e terá com isso mais dificuldade para combater o desmatamento.

Aqui, o ciclo virtuoso das doações internacionais – que o país demandou nos fóruns internacionais – inverte-se em uma perigosa direção viciosa, apontando para o descontrole das políticas ambientais.

O agronegócio brasileiro ainda deve enfrentar nova onda de resistência na exportação de produtos ligados ao desmatamento da Amazônia – madeira, soja, carne e, mais recentemente, cana-de-açúcar, que já chega ao bioma com a imagem abalada – especialmente para países europeus.

Os cultivos do Centro-Sul também devem se preocupar com um futuro próximo: a soma de mudanças climáticas com desmatamento da Amazônia ameaça a abundância e, ainda mais importante, a regularidade das chuvas enviadas do Norte para boa parte do país.

Entretanto, os anos 90 guardam grandes diferenças com a atualidade, impedindo um retorno completo no tempo. Naquela década, as áreas desmatadas anualmente ficavam em média perto dos 20.000 km².

Em 1995, a maior alta registrada bateu os 29.000 km² de desmatamento e recebeu respostas mais duras do governo, que, no ano seguinte, determinaria por medida provisória o aumento da áreas de Reserva Legal de 50% para 80% das propriedades na Amazônia.

De lá para cá, os intervalos entre os picos e as reduções do desmatamento são marcados por esforços do governo como a moratória da soja – alvo de lobby no governo atual para que seja extinta.

Assinada em 2008, a moratória é um pacto com o setor produtivo da soja para evitar o desmatamento na Amazônia.

Desde 2009, a área desmatada no bioma tem ficado abaixo dos 10.000 km² – chegando ao recorde mais baixo de 4.500 km² em 2012. O período marcou um descolamento entre crescimento econômico e desmatamento, com aumento do PIB agrícola concomitante à redução do desmate.

Hoje, a confirmação da alta de 29% somada à ausência de medidas que sinalizem efetividade no combate ao desmatamento para o próximo ano apagam perspectivas de desenvolvimento dos potenciais econômico, diplomático e ambiental do país, que depende de forma central do governo federal para a execução das políticas de controle do desmatamento, mas até o momento só contou com decisões da gestão Bolsonaro que fragilizaram o controle ambiental.

Portanto, é preciso contar com uma sinalização clara e concreta do governo na direção oposta à tendência que se apresenta hoje, com políticas de combate à ilegalidade na Amazônia e reforço da fiscalização. A essa altura, não restam caminhos criativos, atalhos matemáticos ou desvios retóricos. É preciso encarar os fatos para escapar do beco sem saída.