Brasil pede dinheiro para desbloquear negociação na COP-25
MADRI O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que chefia a delegação brasileira na COP-25 do Clima, tem pedido dinheiro para o Brasil nas reuniões bilaterais que se dedicam a questões técnicas de regulamentação do Acordo de Paris, na COP-25 do Clima.
O Brasil se mantém isolado em uma posição importante para a conclusão do mecanismo do mercado de carbono (comércio do direito de emitir gases-estufa). Salles, no entanto, mostrou disposição para abrir mão da posição polêmica (explicada abaixo) em troca de uma contrapartida dos outros países.
“Não é nem que a gente quer, nem que não quer fazer os ajustes”, disse Salles na quinta (12) em coletiva de imprensa para veículos brasileiros. “Para cada concessão que fizermos, tem que ter uma contrapartida dos outros países”, continuou.
O ministro alegou ter razões estratégicas para não revelar quais contrapartidas seriam pedidas pelo país. Nos corredores da COP, observadores das negociações não entendiam qual seria o pleito brasileiro.
No entanto, a Folha apurou que o ministro usou as reuniões bilaterais para pedir dinheiro ao Brasil, embora esses encontros fossem marcados para discutir questões técnicas.
Relatos de delegações de países desenvolvidos que tiveram reuniões bilaterais com Salles nos últimos dias confirmam o pedido de dinheiro como contrapartida para que o país abra mão da sua posição isolada, que trava a negociação na COP.
Porém, as propostas ouvidas pelos países são diferentes. Uma delas seria a oferta para que um país comprasse os créditos de carbono que não foram vendidos no mercado de carbono do Protocolo de Kyoto, o antigo acordo climático.
Outra, que beneficiaria outros países além do Brasil, envolveria a criação de um fundo de remuneração pelos créditos gerados em Kyoto, caso eles não sejam mais válidos para serem vendidos no mercado do Acordo de Paris.
Executivos brasileiros dos setores florestal e de hidrelétricas acompanham a COP-25 e influenciam a posição do Brasil em outro item das negociações: a defesa de que os créditos de carbono antigos continuem valendo sob o Acordo de Paris.
Desde o início da COP, havia uma interpretação das negociações de que o Brasil estaria forçando uma posição isolada (explicada abaixo) apenas para conseguir barganhar a validade dos créditos do antigo mercado de carbono dentro deste novo mecanismo de Paris.
O Brasil chegou a bloquear o final da COP-24, no ano passado, por posição semelhante. Questionado pela Folha se estaríamos vivendo a mesma disputa neste ano, um observador das negociações respondeu que o cenário atual seria muito pior, porque os diplomatas não estariam sabendo lidar com o pedido financeiro de Salles em uma negociação técnica.
A briga que isola o Brasil na COP
O Brasil é o único país a defender que os governos não devem ajustar suas metas nacionais de redução de emissões, descontando da prestação de contas nacional os créditos de carbono que forem vendidos a outros países.
Por argumentar que os ajustes nas metas nacionais não seriam necessários, o Brasil é acusado pelo restante do mundo de permitir uma contagem dupla de emissões (quando uma ação é contabilizada pelo país que a realizou e pelo que comprou o crédito relativo a ela).
A falha na matemática das emissões ameaçaria a integridade ambiental do Acordo de Paris. Ou seja, os relatórios poderiam apresentar resultados falsos, mostrando uma conquista maior do que a verdadeira na redução global da emissões.
Nos corredores das COPs, pessoas de todo o mundo indagam o que se passa na mente dos brasileiros para defender tão veementemente uma ‘pedalada’ evidente na conta global de emissões.
Segundo ex-negociadores brasileiros, a razão para esse posicionamento seria um receio do Brasil de não conseguir alcançar suas metas nacionais por causa do mercado de carbono.
Isso porque, com um mercado de carbono funcionando, o setor privado e as ONGs poderão vender a outros países os créditos das suas ações climáticas que ajudam a reduzir as emissões de gases-estufa.
A venda impede que o governo ganhe créditos (literalmente) pelas ações de outros atores desenvolvidas dentro do país. Ou seja, o governo teria que fazer mais esforço para cumprir suas metas nacionais.
Não é só o Brasil que tem mostrado pouca flexibilidade com suas posições. As negociações seguem emperradas desde o início da semana. O único item concluído foi um plano de ação sobre questões de gênero, mas os mecanismos de perdas e danos, mercado de carbono, transparência, prestação de contas e financiamento seguem sem consenso.
Esta sexta (13) é o último dia da conferência, mas a agenda já está programada para se estender ao longo do sábado.
*A jornalista viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (ICS).