Senadores entrevistados em enquete refutam propostas do ‘PL da grilagem’
Dos 81 parlamentares do Senado Federal, 23 concordam que não seria razoável obter a titulação de terras maiores que quatro módulos fiscais com base apenas na declaração do interessado, sem vistoria.
A falta de vistoria e fiscalização rendeu o apelido de ‘PL da grilagem’ ao PL 2633, fruto da MP 910. Ele deve ser votado nesta quarta (20) na Câmara dos Deputados.
A enquete foi feita com 29 senadores, a partir de uma lista de 40 parlamentares com voto indefinido, ou seja, que não acompanham fielmente as bancadas ruralista ou ambientalista.
Encomendada pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e realizada pelo Congresso em Foco no início de maio, a pesquisa faz quatro perguntas, que buscam checar a adesão de senadores do campo intermediário às teses ambientalistas sobre a proposta do governo de regularização de terras.
No grupo de 29 senadores, 17 acham que a proposta não deveria ser votada durante a pandemia, por não ser um tema prioritário.
Nenhum dos entrevistados concorda com a principal mudança no projeto de lei, que amplia de quatro para seis módulos fiscais o tamanho das terras passíveis de regularização apenas com autodeclaração, sem vistoria.
Enquanto 58% dos senadores entrevistados discordam fortemente da tese, 10% discordam levemente e outros 10% não concordam nem discordam. Outros 21% não souberam ou não responderam.
Dos 29 entrevistados, 59% responderam que a grilagem de terras públicas é o fator que mais contribui para o desmatamento ilegal e as queimadas na Amazônia.
Outros fatores como uso inadequado de propriedades privadas e assentamentos de reforma agrária tiveram, cada um, 10% das respostas. Outros 7% atribuíram o incêndio em áreas protegidas como principal fator e 14% não souberam ou não responderam.
Apenas 31% do grupo entende que a mudança na legislação resolveria os desafios da regularização fundiária. Metade dos entrevistados atribui a dificuldade à ausência de vontade política para resolver o problema (52%), falta de estrutura de órgãos públicos como o Incra (41%) e excessos de burocracia (38%). A soma das respostas ultrapassa 100% porque os entrevistados puderam escolher até duas opções de resposta.
Para 59% do grupo entrevistado, a proposta de regularização fundiária “não deveria ser examinada agora porque o tema não é prioritário”. Apenas 14% defendem a decisão imediata pelo sistema de deliberação remota.
A pesquisa não revelou o nome dos senadores entrevistados, distribuídos nas cinco regiões do país e entre dez partidos: PODE, PSB, MDB, PSDB, PP, PROS, PDT, PSL, Cidadania e DEM.
“A enquete mostra que o campo intermediário do Senado tende a acolher a narrativa ambientalista, sobretudo a de que esse não é um tema prioritário durante a pandemia. E que não dá pra beneficiar médios e grandes posseiros”, avalia o coordenador do IDS em Brasília, André Lima.
“Concluo que o Senado vai rever a decisão da Câmara, se o PL for aprovado a fórceps, sem acordo”, acrescenta.
Para ele, a adesão de senadores às teses ambientalistas não foi surpresa. “Desde o começo da legislatura, tenho avaliado que o Senado tem sido muito mais ponderado [do que a Câmara] em relação às questões socioambientais”.
Na Câmara
A proposta de regularização fundiária deve ser votada nesta quarta (20) pela Câmara dos Deputados sob críticas da bancada ambientalista, do Ministério Público Federal, de empresas e também de artistas por facilitar a legalização da grilagem de terras, um dos principais fatores do desmatamento na Amazônia.
Na terça (19), 27 congressistas do parlamento europeu e do parlamento alemão enviaram uma carta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), expressando preocupação com as consequências socioambientais da eventual aprovação da proposta.
“Este projeto de lei e as ações que o acompanham comprometem os objetivos do Acordo Climático de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, diz a carta dos parlamentares europeus. No mesmo dia, o Burger King e outras 40 empresas globais também enviaram carta a Maia contra a aprovação do projeto.
A pressão para a votação vem da bancada ruralista, que ressuscitou a então MP 910 no início de maio, após ela sido objeto de acordo de lideranças com Maia para que não fosse votada durante a pandemia.
Parte dos deputados ruralistas tenta agora recuperar uma versão anterior do projeto, alterado por pressão ambientalista nas últimas duas semanas.
Maia, no entanto, teria dito à bancada que o projeto só iria a plenário já acordado – sem emendas de última hora. A falta de acordo impediu a votação na última semana.
A primeira versão do relatório na Câmara permitia a regularização sem vistoria para grandes terrenos, de até 15 módulos fiscais. A lei atual permite a facilidade apenas para terras de até 4 módulos fiscais. O texto atual a estende para até 6 módulos.
Ruralistas também querem recuperar o marco temporal da versão anterior, que permitia a regularização de terras ocupadas até o final de 2018. A lei atual tem como prazo o fim de 2011 e ambientalistas conseguiram manter esse marco no texto que vai a plenário, o que ajudaria a coibir a grilagem.
A falta de vistoria e de checagem de bases de dados como o Cadastro Ambiental Rural ainda preocupa os ambientalistas na Câmara, que devem seguir recusando a proposta.