Indicados de Salles caíram após episódios de defesa do Ibama e do ICMBio

ANÁLISE  – A demissão do presidente do ICMBio, coronel Homero Cerqueira, publicada nesta sexta-feira (21), é a terceira da série em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, desiste de um nome escolhido por ele mesmo para um cargo de confiança.

Os três casos se justificam por um mesmo ‘escorregão’ imperdoável dos gestores que aceitaram trabalhar para um projeto político declaradamente antiambiental. Nos lapsos episódicos que marcaram suas demissões, eles ousaram defender a missão institucional dos órgãos que administravam contra as ideias do ministro de enfraquecimento e até mesmo de deslegitimação do trabalho do ICMBio e do Ibama.

À frente do ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação no país, Cerqueira não era considerado aliado dos servidores ou de seus pareceres técnicos. Pelo contrário, era visto com grandes desconfiança pelos servidores de carreira e assinou parte da ‘boiada’ conduzida por Salles no desmonte da gestão das unidades de conservação no país.

Mas o limite para a permanência de Cerqueira na presidência do ICMBio começou a ser sinalizada quando ele se posicionou contrariamente à reestruturação do ministério – já com o desgaste político na relação com Salles como pano de fundo para a demissão, como mostrou a reportagem da Folha.

Na decisão publicada na última semana, Salles criou uma Secretaria de Áreas Protegidas, com funções similares às que são hoje exercidas pelo ICMbio. Segundo fontes do ICMBio, Cerqueira se posicionou diante do ministro defendendo que aquela competência já era do órgão que ele administra.

Com isso, o coronel fez eco à nota publicada pela associação dos servidores de meio ambiente (Ascema), que havia levantado a mesma preocupação.

“Retirar as atribuições desse órgão e passá-las para uma secretaria específica do MMA significa uma concentração de poder e um futuro de incertezas”, dizia a nota.

Ao visitar o Pantanal nesta semana, Cerqueira roubou a cena e foi elogiado pela prontidão no envio de recursos às equipes do ICMBio em campo para combate às chamas, segundo fontes que acompanharam sua visita.

Salles, por outro lado, reuniu-se com fazendeiros e sinalizou concordância com suas demandas. Entre elas, estaria o uso de retardantes químicos que diminuem o fogo e permanecem no solo, atuando como fertilizantes. No entanto, a técnica causa outros desequilíbrios ecológicos e tem sua aplicação controlada pelos corpos técnicos do ICMBio e do Ibama.

Cerqueira, segundos fontes do governo, teria defendido a avaliação técnica junto ao ministro. Essa teria sido a última a gota d’água para sua exoneração.

No Ibama, outro nome trazido por Salles acabou se vendo em favor dos técnicos sob seu comando em um episódio que o ministro também não perdoaria.

Combatido pelos servidores pela falta de competência para o cargo e criticado por barrar demandas para  fiscalização, o então diretor de proteção ambiental do Ibama, major Olivaldi Azevedo, recusou-se a exonerar dois coordenadores de fiscalização do órgão que estavam em uma missão de combate a invasões em terras indígenas no Pará, no último abril.

Bem sucedida, a operação foi mostrada pelo Fantástico (TV Globo) e irritou o presidente Bolsonaro por exibir a destruição dos equipamentos usados nas atividades ilegais.

Como este blog havia antecipado na época, Azevedo caiu para que o próximo diretor cumprisse a ordem recusada por ele. Duas semanas depois sairia a exoneração dos coordenadores de fiscalização responsáveis por banir atividades de desmatamento na terra indígena Ituna-Itatá (PA), a mais desmatada do país no ano anterior.

Já o precursor das exonerações em cargos de confiança pediu demissão ainda em abril de 2019. Adalberto Eberhard foi o primeiro presidente do ICMBio na gestão de Salles.

A gota d’água no seu caso aconteceu quando Salles ameaçou abrir um processo administrativo contra servidores que não haviam comparecido a um evento com um público ruralista no interior do Rio Grande do Sul.

Sua saída do ICMBio abriu a porteira para a militarização de toda a diretoria do órgão, o que centralizou a gestão e diminuiu a transparência dos órgãos (servindo como um dos primeiros sinais de que as quedas nos comandos do governo Bolsonaro não sinalizam recuos na política de desmonte das estruturas de gestão).

Veterinário, Eberhard havia chegado ao cargo com alguma afeição aos equívocos conceituais do governo Bolsonaro. Para pavor dos técnicos sob seu comando, chamou áreas protegidas de propriedades rurais.

No entanto, também defendeu o ICMBio contra a ideia de fusão com o Ibama – que foi abandonada na época e voltou a ser aventada nos bastidores após a reestruturação do ministério.

Além de um alinhamento inicial com a proposta de trabalho, Adalberto Eberhard, Olivaldi Azevedo e, agora, Homero Cerqueira nutriam em comum a falta de competência para lidar com os desafios que seus cargos impunham.

Pode-se imaginar que a necessidade de consultar a área técnica para entender o novo ambiente trabalho pode tê-los levado, eventualmente, a entender a razoabilidade de pareceres embasados na ciência. Mas acolhê-los não estava na descrição da vaga.

Os cargos de confiança no Ministério do Meio Ambiente implicam em confiar cegamente nas apostas políticas do ministro – e fechar os olhos para o que quer que alertem os corpos técnicos.