Queimadas aumentaram internações hospitalares em 65% na Amazônia em 2019

A intensificação das queimadas em agosto de 2019 levou a um aumento de 65% das internações hospitalares na Amazônia, segundo estudo divulgado nesta quarta-feira (26).

A partir de dados oficiais de saúde e meio ambiente e entrevistas com profissionais que atuam na região, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e a Human Rights Watch produziram um “raio-X” sobre a relação entre queimadas e internações hospitalares, com análises e recomendações para gestores públicos.

O estudo atribuiu 2.195 internações hospitalares por doenças respiratórias em 2019 à poluição causada pelas queimadas nos estados da Amazônia. Quase 500 internações envolveram crianças com menos de um ano de idade, e mais de 1.000 delas foram de pessoas com mais de 60 anos.

Os dados do último ano reforçam a preocupação sobre o colapso do sistema de saúde durante a pandemia enfrentada atualmente. Eles mostram um salto nas doenças ligadas à inalação de micropartículas (MP 2,5) presente na fumaça das queimadas durante os meses de seca do bioma, propícios à disseminação do fogo.

Enquanto no primeiro semestre as internações hospitalares variavam entre 100 e 150 por mês, as hospitalizações ligadas à fumaça dos incêndios aumentaram 65% entre julho e agosto, passando a variar entre 230 e 290 por mês até o final do ano.

A parte estatística do estudo considerou variáveis climáticas e tendências específicas dos municípios, de forma a isolar os números de internações ligadas à poluição das queimadas.

Em setembro de 2019, 20 municípios no Acre, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia apresentaram índices de poluição do ar de duas a três vezes acima do limite máximo estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (Imagem: HRW/Divulgação)

Na região amazônica, a emissão de micropartículas menores que 2,5 micrômetros de diâmetro (MP 2,5) está ligada à ocorrência de incêndios.

O estudo considerou apenas internações em hospitais públicos, a partir de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), e aponta que o número de impactados pode ser bem superior às internações, já que as queimadas atingem territórios indígenas e comunidades remotas da Amazônia, com difícil acesso a hospitais.

Atualmente, a Amazônia sofre com a influência simultânea das queimadas e da pandemia, que já causa um número de mortes desproporcionalmente maior na região em relação ao resto do país: 64,5% dos pacientes hospitalizados com Covid-19 morrem nos estados amazônicos, enquanto no centro-sul a mortalidade é de 40,8%, segundo estudo publicado pela revista científica Lancet.

“Autoridades de saúde, provedores de assistência médica e especialistas temem que as instalações médicas já afetadas pela pandemia de Covid-19 tenham dificuldades para fornecer cuidados às pessoas afetadas por incêndios – potencialmente causando um colapso do sistema de saúde em partes da região amazônica”, afirma o relatório, que entrevistou 67 profissionais ligados ao setores de saúde e também de meio ambiente.

“Por semanas, a fumaça cobre o céu”, disse ao estudo o médico Fabio Tozzi, coordenador do Projeto Saúde e Alegria para assistência médica a 15 mil indígenas e comunidades tradicionais às margens do rio Tapajós, no estado do Pará.

“Vemos pessoas ficarem com falta de ar, desenvolver alergias, bronquite e asma. A maioria dos impactos na saúde não são reportados”, afirma Tozzi. Ele também conta que o fogo é usado para invasões de territórios de comunidades atendidas por ele. “Estão perdendo suas áreas de caça, pesca e lavoura”, afirma.

“O fracasso do governo Bolsonaro em lidar com esta crise ambiental tem consequências imediatas para a saúde da população na Amazônia”, afirma Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil e uma das coordenadores do estudo.

Segundo Canineu, as três organizações responsáveis pelo relatório devem buscar diálogo com interlocutores capazes de exercer pressão, como o Congresso e até o Judiciário, “já que as ações do Executivo têm desmantelado a estrutura de proteção ambiental no Brasil”.

Entre uma série de amplas recomendações de políticas públicas, o relatório sugere que o Congresso Nacional abra uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) “para investigar as redes criminosas responsáveis pelo desmatamento ilegal e por atos de violência e intimidação contra defensores da floresta”.