Salles atacará normas de proteção de terras, águas e ar em revogaço nesta segunda
Está marcada para esta segunda-feira (28), às 10h, uma reunião do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que deve revogar em uma só canetada três resoluções do órgão colegiado sobre áreas de preservação e licenciamento para irrigação. A reunião também deve aprovar a queima de resíduos de agrotóxicos em fornos de cimento.
O revogaço atende a diversos setores econômicos, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que aparece nos documentos do Conama como requerente da anulação do licenciamento ambiental para projetos de irrigação.
Também se beneficiam do revogaço o setor imobiliário, com a liberação de áreas de preservação de restinga para construção de hotéis à beira-mar; a carcinicultura, com a queda da proteção para áreas de manguezais e também o setor de resíduos, que ganha facilidades para queima de poluentes em fornos de produção de cimento.
Confira abaixo as resoluções que constam na pauta da reunião, disponível no site do Conama.
Proteção litorânea: manguezal e restinga
A resolução 303/2002 determina quais são as Áreas de Preservação Permanente (APP) nas faixas litorâneas, protegendo toda a extensão dos manguezais e delimitando como APPs as faixas de restinga “recobertas por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues”.
A revogação da resolução beneficia o setor imobiliário nas praias de restinga e a carcinicultura, principalmente no litoral do Rio Grande do Norte.
Mananciais urbanos
A resolução 302/2002 determina que reservatórios artificiais mantenham uma faixa mínima de 30 metros ao seu redor como Área de Preservação Permanente (APP).
A norma se aplica a represamentos e reservatórios de água – como as represas Billings, Guarapiranga e Cantareira, em São Paulo – e protege seus entornos de ocupações irregulares. A revogação libera essas áreas para habitação e usos econômicos, o que pode colocar em risco a segurança das áreas e também a qualidade das águas.
Licenciamento ambiental para irrigação
A resolução 284/2001 padroniza empreendimentos de irrigação para fins de licenciamento ambiental e dá prioridade para “projetos que incorporem equipamentos e métodos de irrigação mais eficientes, em relação ao menor consumo de água e de energia”.
A agropecuária usa 72% da água consumida no Brasil, segundo dados da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura. Entre as implicações ambientais da atividade de irrigação, está a competição pelo abastecimento de água e também o risco de contaminação por agrotóxicos.
Para especialistas ouvidos pelo blog, a revogação desvincula os empreendimentos de irrigação do processo trifásico de obtenção da licença ambiental, em um adiantamento da tendência de flexibilização da lei geral de licenciamento ambiental, em negociação na Câmara dos Deputados.
Queima de agrotóxico em fornos de cimento
Além da revogação de três resoluções, a pauta do Conama também prevê a aprovação de uma resolução que licencia a queima de resíduos em fornos de produção de clínquer, principal componente do cimento.
A proposta autoriza a queima de poluentes orgânicos persistentes, como substâncias usadas em pesticidas, inseticidas e fungicidas. Também cabem na classificação produtos industriais.
Altamente tóxicos, persistentes no ambiente e bioacumulativos (ou seja, não são eliminados pelo nosso organismo), eles estão ligados a disfunções hormonais, imunológicas, neurológicas e reprodutivas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, sua queima não-controlada, sob temperatura inadequada ou com combustão incompleta pode gerar subprodutos ainda mais tóxicos.
A resolução anterior do Conama sobre o tema (resolução 264/1999), que deve ser revogada nesta segunda pelo novo texto, expressava já no primeiro artigo que a queima em fornos de clínquer não se aplicaria para agrotóxicos, organoclorados e resíduos de serviços de saúde.
O novo texto deixa de citar o termo agrotóxicos entre as exceções e inclui expressamente a permissão para queima de medicamentos e resíduos da indústria farmacêutica.
Na prática, o texto também libera a queima de substâncias tóxicas sem qualquer limite de concentração.
Isso porque ele admite a autorização de concentrações de poluentes superiores às estabelecidas no anexo da resolução “desde que haja ganho ambiental”.
No entanto, entre os possíveis ganhos ambientais aceitos pela resolução, está “a eliminação ou a redução da necessidade de disposição final de resíduos”. Como toda queima reduz a quantidade final de resíduos, a nova resolução implica que qualquer incineração será entendida como ganho ambiental, a despeito dos riscos impostos pela emissão de poluentes.
Além da facilitação do descarte de agrotóxicos, em benefício do setor agrícola, a resolução também amplia a atuação do setor de resíduos, que tem mantido diálogo estreito com o MMA na elaboração do novo Plano Nacional de Resíduos Sólidos, atualmente sob consulta no site da pasta.
O ministro Ricardo Salles teve pelo menos oito encontros neste ano com representantes da Abrelpe, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública, segundo a agenda disponível no site do MMA.
O blog tentou contato com o ministro do Meio Ambiente, mas não obteve retorno.
Colegiado
O Conama perdeu representação das organizações da sociedade civil – cujos assentos no conselhos passaram de 23 para quatro – e também dos estados – que passaram de 27 para cinco cadeiras, ainda no início do governo Bolsonaro, quando o governo federal e o setor privado passaram a compor a maioria do colegiado.
Segundo o ex-conselheiro do Conama e presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, as decisões do Conama deveriam pressupor audiências públicas e avaliações técnicas e científicas, que embasariam as decisões.
“Eles estão simplesmente revogando as resoluções, sem sequer avaliar se estão retirando os elementos protetivos”, aponta.
Embora os pareceres jurídicos do MMA apontem a legislação superveniente como motivo para revogação, a Política Nacional do Meio Ambiente prevê que o Conama crie normas e padrões de qualidade ambiental.
“Há vários temas nos quais as resoluções do conselho constituem a principal fonte de regras de aplicação nacional, como o licenciamento ambiental e o controle de poluição por veículos automotores”, afirma Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
Segundo Bocuhy, as decisões do Conama também são mais difíceis de serem questionadas na Justiça, em comparação com decretos e outros atos discricionários do governo.
“Por representar uma decisão colegiada, é muito difícil, em um processo judicial, que o juiz conceda a razão à sociedade civil, porque a defesa será alicerçada no fato de que a sociedade presente anuiu àquele procedimento, porque ele se reveste aparentemente de um caráter democrático, que não é o caso agora”, afirma Bocuhy.