Sob protestos, Salles acaba com proteção a restingas e manguezais
Presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) aprovou nesta segunda-feira (28) a revogação de suas resoluções 302 e 303, que estabeleciam critérios para a preservação de áreas litorâneas de manguezais e restingas, assim como áreas em torno de reservatórios de água, como mananciais urbanos.
A resolução 303 determinava quais as Áreas de Preservação Permanente (APP) nas faixas litorâneas, protegendo toda a extensão dos manguezais e delimitando como APPs as faixas de restinga “recobertas por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues”. Sua revogação beneficia o setor imobiliário nas praias de restinga e a carcinicultura, principalmente no litoral do Rio Grande do Norte.
Já a resolução 302 estabelecia uma faixa mínima de 30 metros de proteção ao redor de reservatórios artificiais, como são exemplos as represas Billings, Guarapiranga e Cantareira, em São Paulo. A revogação libera essas áreas para habitação e usos econômicos, o que poderia colocar em risco a segurança das áreas e também a qualidade das águas.
O conselho também revogou a resolução 284, que submetia projetos de irrigação ao processo de licenciamento ambiental. Entre as implicações ambientais da irrigação, está a competição pelo abastecimento de água e também o risco de contaminação por agrotóxicos. A agropecuária usa 72% da água consumida no Brasil, segundo dados da da FAO, agência de alimentação e agricultura da ONU.
A reunião aprovou ainda uma nova resolução que permite a queima de resíduos de poluentes orgânicos persistentes – como pesticidas, inseticidas e fungicidas usados na agricultura – em fornos de produção de cimento.
Altamente tóxicos, persistentes no ambiente e bioacumulativos (ou seja, não são eliminados pelo nosso organismo), esses poluentes estão ligados a disfunções hormonais, imunológicas, neurológicas e reprodutivas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, sua queima não-controlada, sob temperatura inadequada ou com combustão incompleta pode gerar subprodutos ainda mais tóxicos.
As revogações contaram com aprovação ampla do colegiado, formado majoritariamente por representantes do governo federal e das associações do setor privado – as confederações nacionais da indústria (CNI) e da agricultura (CNA), que também foram proponentes das revogações.
Registraram voto contrário a todas as revogações o estado do Piauí e as duas ONGs presentes na reunião – o Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental Chico Mendes e a Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico.
O estado do Rio Grande do Sul também registrou voto contrário a duas das três revogações. O secretário de meio ambiente do estado, Artur Lemos Júnior, argumentou que a norma sobre licenciamento para irrigação deveria ser alterada, e não revogada.
O secretário também defendeu que a resolução 303, que trata da proteção de áreas de manguezal e restinga, fosse alterada para se adaptar ao que foi estabelecido pelo Código Florestal, mantendo critérios específicos que não haviam sido atendidos pela legislação.
“Estamos partindo de uma guerra fiscal para uma guerra ambiental, pois em alguns estados vai ser mais restritivo e, em outros, não”, pontuou Lemos, em defesa da manutenção da resolução.
“Não seria mais adequado facultar aos órgãos estaduais estabelecer seus critérios técnicos, em vez de um critério genérico, que pode ser pertinente para algumas localidade e impertinente para outras?”, Salles perguntou ao secretário, que devolveu um exemplo.
“Nosso receio é: em estados do Nordeste, o Rio Grande do Norte principalmente, tem empreendimento eólicos quase que em cima de dunas. Aqui no Rio Grande do Sul, por sermos mais protetivos e sob a legislação vigente, entendemos que não [poderia haver a instalação]. E aí passamos a perder esses investimentos aqui no Rio Grande do Sul”, respondeu.
Carlos Teodoro Irigaray, representante da Associação Novo Encanto, marcou a oposição durante a reunião em argumentações contrárias a cada revogação. Ele também criticou a ausência de consideração de aspectos técnicos nos pareceres jurídicos. “Forno de cimento é desenhado para produzir cimento, não pra queimar resíduos perigosos”, pontuou.
O Ministério Público Federal, único membro sem direito a voto, também participou da reunião. “O MPF vai ajuizar ação pra anulação das decisões aqui tomadas, que ferem a lei e os princípios constitucionais”, disse a conselheira e procuradora regional da 3a região, Fátima Borghi.
Diante de críticas e pedidos de vistas durante a reunião, Salles chegou a propor o adiamento da votação, que foi recusado pela maioria.
As revogações atendem a diversos setores econômicos, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que aparece nos documentos do Conama como requerente da anulação do licenciamento ambiental para projetos de irrigação.
Também se beneficiam do revogaço o setor imobiliário, com a liberação de áreas de preservação de restinga para construção de hotéis à beira-mar; a carcinicultura, com a queda da proteção para áreas de manguezais e também o setor de resíduos, que ganha facilidades para queima de poluentes em fornos de produção de cimento.
O Conama perdeu representação das organizações da sociedade civil – cujos assentos no conselhos passaram de 23 para quatro – e também dos estados – que passaram de 27 para cinco cadeiras, ainda no início do governo Bolsonaro, quando o governo federal e o setor privado passaram a compor a maioria do colegiado.
Protestos
Ainda no domingo (27), os deputados petistas Nilto Tatto (SP), Enio Verri (PR) e Gleisi Hoffmann (PR) haviam ingressado com uma ação popular preventiva na Justiça Federal pedindo, em tutela de urgência, a suspensão da reunião ou, não havendo tempo hábil para a decisão, a anulação das decisões tomadas pelo colegiado.
Já na manhã desta segunda, promotores do Ministério Público reunidos pela Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente) enviaram ofício ao ministro Ricardo Salles contra a revogação das resoluções, apontando “vícios de ilegalidade, que desdobrariam em galopante processo de judicialização, em detrimento da segurança jurídica e em prejuízo de toda a sociedade”.
“Qualquer decisão sobre a revogação de resolução do Conama deve ser precedida de participação de todos os setores envolvidos”, diz o ofício, que também aponta a necessidade de estudos sobre impactos regulatórios.
A Ascema, Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente, defendeu em nota o julgamento imediato de ação contra a alteração na composição do Conama, que foi impetrada pela Procuradoria Geral da República no Supremo Tribunal Federal ainda no início do ano passado.
Os servidores também defendem, alternativamente, que o Congresso aprove o projeto de decreto legislativo do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que susta os efeitos do decreto presidencial que instituiu as mudanças no órgão colegiado. No início do governo Bolsonaro, o Conama perdeu representação das organizações da sociedade civil e dos governos estaduais e municipais.
A Liga das Mulheres pelos Oceanos, rede formada por especialistas, publicou nota técnica contrária à revogação da resolução 303, que retira a proteção de manguezais e restingas, destacando que esses ecossistemas são “proteção natural à nossa linha de costa, servindo como anteparos para o avanço das marés e contra a erosão costeira”.
A nota também afirma que as perdas de manguezais devem afetar a fauna do bioma e retirar a proteção das pradarias marinhas e dos recifes de coral, impactando as comunidades costeiras e até mesmo as atividades pesqueiras comerciais.