O dia depois de amanhã deve ter um preço para o carbono
Os anúncios dos Estados Unidos, União Europeia, Japão e Canadá de que devem cortar cerca de metade das suas emissões de carbono até 2030 sinalizam ao mundo uma guinada na trajetória do clima global. As lições de casa dos países para que isso aconteça, no entanto, devem ser drásticas e começam literalmente no dia depois de amanhã.
Assim que for encerrada a Cúpula do Clima, na sexta (23), o restante do mundo já deve começar a cobrar dos países desenvolvidos os meios de implementação para a transição energética, que eles prometem financiar.
A coerência dos países ricos também será mais fiscalizada. O que antes era uma ponte avançada entre a política climática e as relações comerciais, passa agora a ser cobrado como um item básico do compromisso com o clima: o comércio global deve ser condicionado a critérios de sustentabilidade.
Para entender o anúncio das nações mais desenvolvidas do mundo, é preciso enxergar a estratégia geopolítica da pauta climática, sem reduzi-la a filantropia, publicidade ou reputação. O que a Cúpula do Clima aponta é uma reconfiguração da agenda global, em que o carbono se encaixa entre os eixos centrais.
É com essa movimentação que a desconfiança global, que pautava anúncios de metas tímidas e duvidosas no último dezembro, dá lugar à confiança para os compromissos de cortar as emissões pela metade até 2030, mesmo que a China se mantenha firme na posição de atingir o pico das suas emissões somente no fim da década.
Biden certamente não prevê ser atropelado por um crescimento chinês baseado em energias fósseis. O plano é torná-las inviáveis, deixando em atraso os países que optam por adiar a transição.
Se, por um lado, não há previsão de sanções comerciais por questões ambientais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), os acordos bilaterais oferecem um caminho mais provável para que os países ricos associem suas metas climáticas à taxação de carbono, inibindo a importação de produtos ligados a combustíveis fósseis ou a desmatamento.
Além de desencadear a tendência da economia de baixo carbono no resto do mundo, a medida impediria a responsabilização desses países por emissões de carbono ‘compradas’ no exterior.
Embora a palavra “taxação” possa assustar um mercado global ainda dependente de energias fósseis, esse direcionamento pode ser fundamental para uma retomada econômica irrigada pelo desafio climático e que pode ganhar escalas para novos padrões até 2030.
Ela também pode ser o ‘chicote’ necessário para evitar uma espécie de “queima de estoque” promovida pelos setores dos combustíveis fósseis nos territórios onde eles seguirão liberados, especialmente em economias emergentes, como China, Rússia, Índia e Brasil.
Neste cenário, o Brasil ficará prejudicado até o fim de 2022, já que o projeto antiambiental do governo Bolsonaro ainda vai falar mais alto ao mundo do a nova encenação discursiva.
A chance de o país recuperar seu protagonismo ambiental nos próximos anos fica por conta da capacidade de outros atores – como empresas, ONGS, universidades e governos locais – para articular parcerias diretas com as fontes de financiamento nos Estados Unidos e na Europa. Uma saída resiliente que foi usada pelos americanos nos anos Trump e tem sido testada desde a eleição de Bolsonaro por aqui.
Botar um preço no carbono também implica na oferta de cenouras, tanto com incentivos fiscais aos setores menos poluentes, como pela valorização desses investimentos no mercado financeiro.
Se o carbono jogado na atmosfera vira um custo, os gases capturados de volta para o solo podem ser ativos negociados como títulos verdes no mercado. A busca de títulos sustentáveis, assim como o uso dos critérios ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) e ainda a inclusão dos riscos climáticos na avaliação dos investimentos consolida no mundo financeiro uma visão bastante pragmática sobre as mudanças climáticas, cujo avanço gera incertezas incompatíveis com a busca de retorno financeiro.
Com a aproximação dos prazos e dos limites planetários, a conservação ambiental se revela garantidora do crescimento econômico, em vez de uma limitante. A alavanca deste momento para a economia global pode estar justamente na mobilização de recursos para fazer frente ao desafio climático.