“Nenhum país vai dizer ao Brasil o que fazer com a Amazônia”, diz Al Gore

“O que acontece na Amazônia brasileira depende do Brasil. Nenhum outro país vai dizer ao Brasil ou aos seus líderes o que fazer, mas espero que todos aceitem suas responsabilidades no nosso esforço global para resolver a crise climática”, disse o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, em evento virtual voltado ao público empresarial brasileiro nesta terça-feira (25), realizado pelo banco Santander em parceria com o jornal Valor Econômico.

Sem fazer referências diretas ao governo Bolsonaro, Al Gore reforçou o valor da soberania nacional, destacada nos discursos do presidente brasileiro, antes de ressaltar a importância global do bioma.

“A Amazônia tem implicações críticas para o ciclo hidrológico global. Altos níveis de desmatamento na Amazônia já estão causando significativa redução das chuvas no Sul”, citou Al Gore, em resposta à pergunta do diplomata colombiano e ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, sobre as possibilidades de colaboração da comunidade internacional na área climática.

“O meu conselho, já que você perguntou, é que os líderes, no Brasil ou em outros lugares do mundo, considerem os territórios e as comunidades tradicionais ou indígenas ao desenvolver suas políticas climáticas e de biodiversidade. Eles protegem a biodiversidade mundial há gerações e é importante que tenham um lugar na mesa na tomada de decisão”, concluiu.

O americano contou ter recebido com otimismo as novas metas climáticas do Brasil, anunciadas pelo presidente Bolsonaro na Cúpula do Clima, organizada pelos Estados Unidos no último mês.

“Os Estados Unidos e o Brasil têm oportunidade de trabalhar juntos pelo clima, especialmente no momento em que o mundo se reconstrói economicamente após a pandemia”, afirmou.

Al Gore também disse estar orgulhoso da gestão Biden pela prioridade dada à pauta climática. “Não há substituto para o papel de liderança global dos EUA nessa questão”, disse em referência à responsabilidade histórica do país pelas emissões de gases-estufa.

Após ter sido vice-presidente da gestão Clinton de 1993 até 2000, ano em que disputou a presidência e perdeu para Bush em polêmica contagem dos votos, Al Gore se tornou uma das vozes mais importantes da questão climática no mundo.

Em 2007, venceu o Oscar de melhor documentário com o filme Uma verdade inconveniente. No mesmo ano, dividiu o prêmio Nobel da Paz com o painel científico da ONU sobre mudanças climáticas, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas).

“Um estudo recente mostrou que proteger 30% da biodiversidade global em áreas marítimas e terrestres aumentaria o retorno econômico em uma média de US$ 250 bilhões (R$ 1,3 trilhão)”, defendeu Al Gore na palestra, que também citou a necessidade de colocar um preço no carbono, com iniciativas como o mercado de créditos de emissão de carbono.

Em um discurso recheado de dados sobre as oportunidades econômicas do que ele chama de revolução sustentável, o americano citou os investimentos ESG (com critérios ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) como uma tendência que era alternativa e já se tornou convencional.

Ele também afirmou que o Brasil é líder global na transição para fontes de energias renováveis, com os custos mais baixos do mundo para a implantação de energia eólica. “Hoje investir em uma nova planta de eólica no Brasil é mais barato do que manter uma termelétrica a carvão em operação”, afirmou.

Ao argumentar sobre a tendência de aumento dos investimentos em soluções climáticas, movimento que ele considera irreversível, citou como exemplo a resistência de setores da sociedade americana que se organizaram para persistir nos compromissos climáticos durante o governo Trump, contrário à agenda.

“Mesmo na ausência de liderança federal nos Estados Unidos nos quatro últimos anos, uma coalizão de empresas e governos estaduais e locais formaram o We are still in (“nós ainda estamos dentro) e se comprometeram com o progresso das metas climáticas”.

O movimento também inspirou reações brasileiras desde a eleição de Bolsonaro, em 2018, quando o ambientalista Alfredo Sirkis – que também representava as ações de Al Gore no Brasil até seu falecimento, no ano passado – passou a reunir os governadores estaduais em torno de compromissos com a agenda climática, em contraposição ao afrouxamento das políticas ambientais em curso no governo federal.

Al Gore e Bolsonaro se encontraram no início do ano passado durante o fórum econômico de Davos. O momento, registrado pelo filme O Fórum, mostra Al Gore afirmando ser um grande amigo de Sirkis e dizendo que estão todos preocupados com a Amazônia. Bolsonaro responde que foi um inimigo de Sirkis e que gostaria de explorar a Amazônia junto com os Estados Unidos.

“Eu não entendi o que você quer dizer”, respondeu Al Gore, em uma cena que se popularizou nas mídias sociais e foi recebida pelo público como um momento constrangedor para o governo brasileiro.