Mundo ainda pode limitar crise do clima com ações imediatas, mostra IPCC
Novos cenários do futuro do clima revelam caminhos mais estreitos para conter o aquecimento global. O mundo deve começar a derrubar as emissões de gases-estufa a partir de agora para garantir o cenário mais seguro, com aquecimento global limitado a 1,5ºC – meta que evitaria as consequências mais desastrosas das mudanças climáticas e vem sendo usada como baliza para os anúncios de compromissos de líderes globais.
O orçamento atual – ou o quanto ainda se pode emitir – é de 300 gigatoneladas de gás carbônico (principal causador do aquecimento global).
Caso consiga se manter dentro desse limite nas próximas décadas, o mundo terá 83% de chances de conter o aquecimento global entre 1,5ºC e 1,9ºC. O acumulado histórico de emissões de carbono é de 2390 gigatoneladas, de 1850 a 2019. Só em 2020, o mundo emitiu outras 34 gigatoneladas.
As projeções são do novo relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) divulgado nesta segunda (9). Ele traz uma revisão da base da ciência física do clima e foi aprovado na última sexta pelos 195 países que compõem o painel científico da ONU.
O relatório traçou cinco cenários para a trajetória de emissões de gases-estufa e o consequente aumento da temperatura global.
Orçamento de carbono define avanço da temperatura global
Nos dois primeiros cenários, as emissões começam a cair imediatamente e garantem trajetórias próximas na limitação do aquecimento, que chegariam ao final do século em torno de 1,4 ºC no cenário de redução mais drástica de emissões e próximo de 1,8 ºC no segundo cenário de queda imediata, mas mais lenta, das emissões.
No cenário intermediário, as emissões atingem o pico por volta de 2040 e levaria um aquecimento próximo de 3ºC até o fim do século.
Nos últimos dois cenários, as emissões seguem subindo nas próximas décadas e levam a um aumento da temperatura média global de 3,7ºC e 4,4ºC até o fim do século.
O relatório também detalha de forma inédita o papel de outros gases-estufa no aumento da temperatura. Depois do protagonista carbono – que sozinho responde pelo acréscimo de quase 1ºC na temperatura do planeta entre 2010 e 2019, comparado ao período anterior a 1900 – o segundo gás que mais afeta o clima planetário é o metano. No mesmo período, o gás respondeu pelo aquecimento global de 0,5 ºC.
“A vantagem do metano é que ele tem uma meia-vida curta, então qualquer redução de emissão tem um impacto em curto prazo no sistema climático global”, diz o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e membro do IPCC.
Segundo Artaxo, enquanto o gás carbônico tem meia-vida de milhares de anos (tempo necessário para que metade do número de átomos comece a se desintegrar), a do metano é de apenas onze anos. Ou seja, os efeitos da redução das emissões de metano podem ser percebidos no clima em um prazo mais curto.
O metano é emitido pelo setor agropecuário, principalmente por conta da fermentação entérica dos bovinos, e também pelo uso de fertilizantes nitrogenados, segundo dados da Embrapa. Como maior exportador de carne bovina do mundo, Brasil é um dos países mais desafiados no corte de emissões de metano.
Outra fonte de emissão do metano está em vazamentos que ocorrem na exploração de gás natural. “Essas emissões estão aumentando mais rapidamente, porque as termelétricas a carvão e a óleo estão sendo substituídas por gás natural, que tem eficiência energética maior. Com isso, há mais vazamentos e mais concentração atmosférica de metano”, diz Artaxo.
O estudo também quantificou a contribuição de poluentes como material particulado, monóxido de carbono e orgânicos voláteis para o aumento da temperatura global, assim como o efeito contrário: substâncias aerossóis contribuíram no sentido de esfriamento da atmosfera global – no caso do dióxido de enxofre, o impacto de esfriamento foi de 0,5ºC. No balanço, os gases que causam o efeito estufa mostram quantidades e efeitos mais amplos. A temperatura global atual já é 1,1 ºC superior em relação ao período anterior a 1900.
A conta também mostra a contribuição humana para esse saldo: 1,07ºC do aquecimento se deve a gases emitidos por atividades humanas. O reforço de dados levou a uma linguagem ainda mais firme para definir a responsabilidade humana pela crise climática. Nos relatórios anteriores, essa relação era descrita como “muito provável”, clasifficação que indica probabilidade de 90 a 95%. No texto divulgado nesta segunda (9), a atribuição da mudança do clima às atividades humanas é dada como “virtualmente certa”, com probabilidade de 99% a 100%.
“Não é mais um debate sobre se as ações humanas dão causa à crise climática, mas do quanto. E o quanto, estimado pela primeira vez é estarrecedor”, diz Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima. “Além do mais, apesar de dizer que a chance de 1,5°C ainda existe, o documento também mostra que a janela para isso é estreita, e não comporta governos negacionistas”, conclui.
“Nossa oportunidade de evitar impactos ainda mais catastróficos tem uma data de validade. O relatório sugere que esta década é nossa última chance de adotar as medidas necessárias para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Se falharmos coletivamente em reduzir de forma rápida as emissões de gases de efeito estufa até o fim da década, essa meta ficará fora de alcance”, diz a vice presidente de Clima e Economia da ONG World Resources Institute (WRI), Helen Mountford.